VIAGEM
_Oia Pedro, num carece de ocê i viajá essa hora da noite. A estrada fica muito pirigosa de noite, num tem craridade a lua ta na minguante, assim quarque coisa pode assusta o animar e ele te derruba no chão, espere ao menos o dia crarea.
_Não vo consegui fica veno esse sofrimento e esperano, o dotor tem que ta aqui quando chegar à hora, olhe dona Joana, arguma coisa me diz que não devo espera. Prefiro ir mais devagar agora, que sai só amanhã e dai às pressas.
A distância era longa, a estradinha de sítio muito precária quase uma trilha apenas, muitos obstáculos a transpor até a cidade mais próxima, mas Pedro estava decidido, sabia das dificuldades da viagem naquela hora, mais pressentia que deveria ir sem mais demora.
Enquanto Dona Joana, sua sogra arrumava a comida; umas fatias de pão caseiro com pedaços de lingüiça e ovos fritos pra ele levar na viagem, Pedro foi pra fora da casa, do ranchinho já com a sela nas mãos e foi buscar seu cavalo no pasto. Eram nove horas da noite e já havia sereno sobre a grama, fazia um tempo frio, mas não parecia que ia chover, o céu estava limpo cheio de estrelas, mas realmente estava bem escuro, pois a luz da lua quase não existia naquela noite. Enquanto encilhava o cavalo que parecia não estar entendo o que acontecia, pois nunca antes tinha sido encilhado a noite, Pedro ia mentalmente planejando cada detalhe da viagem, cada travessia de riacho, onde faria suas paradas, e calculava a que horas chegaria em seu destino, e por fim como seria a conversa com o médico, como iria convencê-lo a vir com ele, e como pagaria os serviços do médico, tendo ele apenas uma pequena renda oriunda da venda de produtos do sítio.
Tudo agora estava pronto, cavalo arreado, picuá com o lanche, roupas mais quentes, e Pedro chegou até lado da cama onde estava sua esposa Alzira, acariciou o seu ventre bastante crescido pela gravidez, beijou lhe a testa segurou sua mão e sussurrou um adeus. Àquela hora da noite Alzira já estava dormindo, era sua primeira gravidez e de risco, passava muito mal, e isto fazia o seu marido Pedro ficar extremamente preocupado, a mãe de Alzira a Dona Joana era quem tinha algum conhecimento do que estava acontecendo ali, e outra pessoa mais próxima seria somente na cidade para onde Pedro estava indo.
Sem saber muito bem de seus próprios sentimentos, Pedro sentia um nó na garganta, tinha que ir, mas também queria ficar porque durante pelo menos uma noite e um dia estaria fora, e a saúde de sua esposa o preocupava muito, e sem sua presença, só sua sogra ficaria para cuidar de sua amada Alzira.
Montou em seu cavalo, ajeitou-se na sela, e a trote pois-se a caminho. Chegando na porteira do sítio olhou pra traz em direção ao ranchinho, e só o localizou naquela escuridão pela pequenina claridade da lamparina de querosene em meio à escuridão, agora já fora do terreno do sítio e ganhando distância, suas dúvidas foram se dissipando com o som do canto das corujas, do trote do cavalo, dos grilos na beira da trilha.
O sítio de Pedro ficava num lugarejo chamado Rio Preto, há algum tempo atráz, passava por ali a estrada de ferro, nessa época havia muito movimento, muitos sítios com famílias tradicionais do lugar, a estação próxima permitia o transporte da produção e das pessoas, mas quando parou a estrada de ferro, rapidamente tudo se acabou, as pessoas foram embora abandonando tudo, as terras não tinham nenhum valor, e o mato tomou conta de tudo.
As famílias de Pedro e Alzira foram às únicas a ficar, vizinhas de cerca as duas famílias se ajudavam e conviviam quase como uma só família. Pedro e Alzira ainda crianças, foram crescendo juntos, e alguns anos depois que o vilarejo se acabou, era comum em suas brincadeiras e passeios, os dois encontrarem pelo meio do mato, os ranchos que outrora foram às moradas, a igrejinha agora somente ruínas servindo de morada para animais peçonhentos, a velha estação, partes dos trilhos da estrada, restos de dormentes que resistiam ao tempo. Para estas duas crianças era o lugar de brincar, de correr, não havia mais escola, nem outras pessoas ou crianças para brincar, ou conversar. Pedro tinha seu local preferido para ficar, era próximo a uma árvore de eucalipto muito grande e antiga onde havia um pequenino bosque que se destacava do restante da mata. Ali era o esconderijo, na brincadeira de criança um lugar só seu e muito especial, os poucos brinquedos daquela época e ainda naquelas condições de vida, eram ali guardados em segredo. Numa toca no barranco ele fez seu cofre, arrumando naquele buraco de forma que ninguém pudesse encontrar, ali ele guardava objetos encontrados nas ruínas como; um canivete, uma pequenina caixa de metal com um par de alianças dentro, um punhal de cabo branco, uma pequena imagem de Nossa Senhora de Aparecida, e mais alguns objetos. De quando em quando Pedro ia brincar com esses objetos, com o punhal ele praticava atirando-o contra o enorme tronco do eucalipto para ali fincá-lo, assim fazia sempre até o dia em que o punhal cravou-se bem no alto, e ele não conseguiu mais tirá-lo, ficando ali para sempre.
A menina Alzira tinha como seu refúgio à lagoa que se formava logo abaixo da casa, o rio preto como era chamado passava por ali, formava a lagoa e seguia seu caminho. As águas da lagoa eram o espelho onde Alzira passava horas arrumando seus cabelos, observando as transformações que o tempo impunha a seu corpo. Seus pensamentos como todos os pensamentos femininos, eram sempre românticos, cheios de candura, contrariando o realismo e a praticidade, características tão próprias das mulheres.
Quando com pouco mais idade Alzira já iniciava no trabalho, sua mãe lhe ensinara o trabalhar com argila, na fabricação de potes, moringas para armazenar água, tradição indígena que havia chegado agora até Alzira, que com delicadeza e artisticidade foi criando novas formas e assim ampliando as possibilidades de vendas desses produtos para o mascate que passava a cada mês ou a cada dois meses, e era ele quem trazia os produtos como; açúcar, sal, querosene, tecidos, e os trocava pelos produtos do sítio como; porcos, galinhas, ovos, e grãos. Pedro também começou bem cedo, a vida de trabalho num sítio começa muito cedo pra todos. Assim bem cedo, também se casarão.
No caminho os pensamentos e o sono tomavam conta de Pedro, que sobre seu cavalo ia cavalgando ainda no escuro da noite, a umidade provocada pelo orvalho, fazia exalar um perfume tão sutil e tão delicioso somente conhecido por quem já amanheceu em meio à mata, onde os cheiros das plantas se misturam tanto que é preciso a pureza e a umidade do orvalho para dosá-los, e então liberar apenas a essência na exata porção que a brisa possa carregar até os escolhidos que ficarão inebriados, e para a eternidade lembrará.
Quando ainda criança Pedro perdeu seu pai, pouco tempo depois foi sua mãe, daí passou a viver com a família de dona Joana que já era viúva. E como é tão natural nessa vida, quem menos tem é quem mais dá, eles passaram a viver como uma só família, naqueles tempos e naquele lugar até as questões legais era simples, pois não se tinha nada de valor, eram apenas pertences de uso pessoal.
Lá no rancho tudo permanecia calmo, Alzira dormia, dona Joana ao lado da cama apenas cochilava, pois tinha que permanecer vigilante e como sua companhia em permanecer acordada tinha a pequena labareda de fogo da lamparina, que bailava pra cá e pra lá como se fizesse a dança do ventre, soltando uma fumaça negra que tingia as telhas da casa, e deixava o cheiro característico no ambiente.
Com mais da metade do caminho já percorrido, a beira de um riacho Pedro parou, apeou de seu cavalo soltou o animal para que ele bebesse água e descansasse pastando o capim orvalhado bem ali ao lado, e após molhar bem o rosto para se manter acordado, acomodou-se sentado e recostado num barranco ao lado do riacho e pos se a comer o lanche que havia trazido. Com sua viagem tudo corria normal, não fosse seus pensamentos em Alzira teria motivo para muitas alegrias, pois o alvorecer lhe parecia o espetáculo mais bonito de toda a terra, os primeiros raios de luz solar sobre a relva cheia de gotas de orvalho, e sobre as águas do riacho, fazendo as sombras dos enormes pinheiros ficarem parecendo ainda maiores, e provocando nas aves um alvoroço tão grande que mesmo acostumado ao canto dos pássaros, não conseguia definir ali nenhum, mas todos eram como músicas que trazem lembranças dos momentos de uma vida. Naquele trecho do caminho, podia avistar ao longe os campos com pequenas ondulações cobertas de grama, com enormes árvores aqui e ali, também avistava capoeiras formando ilhas de mata no meio do campo.
Alzira acordou muito cedo, com muitas dores gemia e se virava na cama. Dona Joana acendera o fogão e já fazia o café ouvindo o relato da filha.
_Tive um sonho mãe, que meu nenê é uma minininha, mais que tamém era o seu Antonho o pai do Pedro, num intendi nada, era muinta confusão, mais eu tava contente, muinto filiz, a minininha o pai do Pedro já num sei, falo que tinha que ajudá o Pedro.
_Oia minha fia, os sonhos num são certo, das veis são inté bunito, inté gostoso mais na maioria das veis inté assusta a gente, num pode fica pensano não. Ce ta cum fome fia? Ta cum muinta dor? Vo faze tamem um chazinho novo.
_Cade o Pedro mãe?
_Foi inté a cidade pramordi busca o dotor pro ce fia, de tarde devi dita de vorta.
Lá fora no quintal, o galo e os animais fazem o maior barulho anunciando o novo dia, a noite passava deixou muita angustia, indecisões, porem agora com a luz que da vida a tudo, o sítio mostra toda sua singela beleza. O pomar, a horta, as áreas plantadas, o terreiro da casa cheio de animais, na lagoa os patos os marrecos deslizam pela água, as flores plantadas aqui e ali se mostram todas orgulhosas, as grandes árvores como o eucalipto e também as frutíferas parecem brilhar, mais ao longe as montanhas cobertas de vegetação, fazem o pano de fundo para as palmeiras que quase sempre no topo dos morros, parecem acenar com suas folhas, a porta e as janelas abertas trocam o cheiro de querosene queimado por brisa suavemente perfumada de flores e matas, e isto já é quase remédio para Alzira que sente de imediato a magia de uma manhã ensolarada, ainda deitada se põe a imaginar sua lagoa, o seu trabalho com o barro, suas plantas, o seu amor por Pedro, sua vida agora atingia o momento máximo, iria dar vida a um ser, poderia cuidar de seu bebe, abraçá-lo, apertá-lo em seu peito, dar-lhe de mamá, acariciar, amar, vê-lo crescer, estar com ele todos os dias, ser simplesmente mãe.
Um idioma diferente, roupas características, mãos calejadas, pele ressequida, olhar calmo e distante, jeito humilde de ser, sempre prestativo e disposto, fazem o caipira parecer muito mais forte, mais bruto, como muitos assim consideram. Mas a alma caipira, mostrada nas poesias, nas músicas e nas histórias contadas, nos dá conta da forte pureza de sentimentos, da bruta humildade que demonstra quando prestativo. A grande diferença está na proximidade com a natureza, fonte inesgotável de energias que absorve os sentimentos mais profundos de tristeza e transforma em alegria.
Fazendo o caminho de volta, Pedro com o médico Doutor João em dois cavalos descansados procuram ganhar o máximo de tempo. Pedro agora mais tranqüilo cavalga quase dormindo, vencido pelo cansaço, mas com seus pensamentos em Alzira, pensamentos esses, quase uma prece pedindo a Deus proteção para a amada, e agradecendo por estar de volta com o médico.
Durante todo o dia Alzira aguardava ansiosa os acontecimentos, quando começava a entardecer Pedro e o médico chegaram. Entraram direto na casa, Pedro foi direto beijar Alzira e acariciá-la, o médico vendo o quadro e com sua experiência, imediatamente iniciou os preparativos para o parto, pediu a Pedro que saísse, e a dona Joana para providenciar os materiais necessários.
Pedro já fora da casa foi soltar os cavalos, e sentindo o cansaço lhe dominar sentou-se recostado a parede do paiol, como num sono profundo e imediato começou a sonhar que via sua Alzira flutuando juntamente com outras pessoas que não conhecia, e de cima ela olhava para ele, para sua mãe Joana, pro médico, e pra ela mesma deitada ali naquela cama, as outras pessoas tomando Alzira pelas mãos foram se afastando, como se voassem. Com um salto, Pedro acorda ouvindo o choro de bebe, já tinha nascido pensou, sem mesmo acreditar, pois se sentia tão transpassado de sono, de cansaço, aquele sonho com Alzira, mas o choro continuava e ele entrou na casa. Dona Joana limpava o bebe, uma menininha que ela mostrou a Pedro, o médico ainda estava com Alzira que já não vivia mais, havia falecido no parto.
Na ansiedade de todos, a triste notícia foi dada pelo médico, a reação imediata foi de ter o tempo parado, não havia respiração, nem briza, nem luz, nem barulho algum, nada. Do lado de fora até a natureza estava estática, os animais próximos da casa estavam parados, o que ali se movimentava não era visível, esses segundos de tempo pareciam eternidade.
Quando nas dificuldades nos sentimos sozinhos e desamparados, não percebemos os acontecimentos mínimos e mais sutis que ocorrem, como naquele momento já quase noite chegou o mascate com sua carroça, homem acostumado com viagens difíceis, situações as mais inusitadas, já havia visto tanto sofrimento de pessoas pela vida afora, que naquele momento era a pessoa mais indicada para estar ali, tinha as palavras certas para a ocasião, tinha bondade, e tinha iniciativa para tomar as primeiras providências.
Chegada a noite com a briza mais fria, a pouca luz da lua, a tristeza daqueles poucos que ali estavam no velório somente era quebrada pelo choro da recém nascida, a Antonia como já haviam convencionado chamá-la. A mamadeira com água e açúcar alternada com leite de cabra diluído em água, por recomendação do médico que também disse a dona Joana e a Pedro, que deveriam levar a nenê para a cidade onde poderia encontrar uma mãe de leite para ela, pelo menos por algum tempo.
Pedro estava vivendo o momento mais difícil de sua vida, o extremo cansaço, a dor da perca de sua Alzira, as decisões imediatas a tomar, era quase o desespero, porem aquietou-se a um canto, tomou suas decisões, e foi conversar com o mascate. Propôs a esse que na manhã levasse em sua carroça sua sogra dona Joana com nenê, até a cidade e lá acomodasse as duas, e com a ajuda do médico entrassem uma mãe de leite, ele ficaria e esperaria pela volta do mascate quando então entregaria a ele todos os produtos, animais que ele tinha no sítio, pois também iria embora dali, e assim ficou combinado.
Clareando o dia, os três homens providenciaram o enterro de Alzira no pequeno e abandonado cemitério da antiga vila, onde estavam enterrados todos os parentes.
Acomodada na carroça ia dona Joana com Antonia no colo, e mais o que coube na carroça, seguia também o médico em seu cavalo.
No sítio Pedro apressou em juntar os pertences, organizar tudo para sua partida, lembrou se depois de tanto tempo passado de seu cofre de criança lá no bosque, e foi até lá, apanhou a pequena caixa de metal com o par de alianças, a pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida e retornou pra dentro da casa. Colocou a imagem sobre a mesa e como se fosse dizer uma prece, iniciou uma conversa com a Santa.
_Minha Santa, toda pessoa que eu gosto, morre, o pai, a mãe e agora a Alzira. Ca Antonia vai se iguar, eu num posso fica perto dela, eu vo fica bem longe dela, mais queria que a senhora subesse disso, e que se tivesse um jeito, ispricasse isso pra Alzira por mim.
Terminando aquela conversa, Pedro adormeceu ali mesmo no chão, só acordou na manhã do dia seguinte, e naquela tarde chegou o mascate, que foi logo dizendo que só veio logo porque estava preocupado com ele. Passaram a noite e de manhã bem cedo foram embora pra cidade.
Chegando no limite das terras do sítio na porteira, Pedro olhou pra traz, nos seus olhos as lágrimas escorriam, ele pode ver a grande árvore de eucalipto, o bosque de sua infância, a casa, a lagoa, as flores que Alzira plantou, era o último adeus aos seus momentos de alegria e de tristezas ali naquele seu mundo que ele não conseguia compreender.
Na cidade, com dona Joana acomodada numa pequena casa bem de frente à casa de dona Maria, que era mãe de um menininho recém nascido e estava amamentando, assim também amamentava a Antonia. Agora que os negócios estavam todos resolvidos com o médico e o mascate, Pedro se dirigiu ao outro lado da cidade e no primeiro bar bebeu tudo o que agüentou, saiu totalmente bêbado e dormiu na rua, os dias que se seguiram foram iguais, quando já havia passado algum tempo estava vivendo da caridade alheia, comia quando lhe davam comida, o pouco que ganhava era só para a bebida, parecia ter esquecido da filha e da sogra, que após ter passado cinco anos veio a falecer, deixando Antonia em definitivo com dona Maria a mãe de leite.
Mas do destino não tem como fugir, certo dia caído e dormindo numa calçada na pracinha da cidade, Pedro foi abordado e acordado por uma criança, uma menina de seus sete anos de idade, que lhe ofereceu um pedaço de seu lanche, quase sem entender a atitude da criança Pedro aceitou a comida, e a menina lhe falou:
_Eu me chamo Antonia, e o seu nome qual é?
_O meu, o meu nome é Pedro.
_Se você vier comigo, eu te levo até minha casa, lá a minha mãe lhe dará comida, ela é muito boa, ela cuida de mim desde que eu era criança e fui abandonada pelo meu pai, quando minha mãe morreu. Venha, vamos até lá, é pertinho.
A realidade é que Pedro após todos estes anos nesta vida de total alcoolismo, já não tinha mais o raciocínio rápido e com discernimento, não conseguiu assimilar o que acontecia, (e como tudo o que é tão simples para nós, é tão trabalhoso para quem tem a missão de nós guiar, de fazer o destino acontecer) e levado por uma força estranha, com toda dificuldade do corpo deteriorado, levantou-se a foi com Antonia.
Antonia, com seus sete anos de idade parecia ter todo o conhecimento da vida, e quase arrastando Pedro chegou a casa de dona Maria, que viúva tinha que trabalhar muito para dar conta de duas crianças de mesma idade, mas ela conseguia, e quando Antonia chegou com Pedro não houve susto algum de dona Maria, parecia até que estava esperando, e de imediato acudiu aquele homem que mais parecia uma morto-vivo.
Pedro foi alimentado, dormiu quase dois dias ininterruptos, tomou banho e com muito cuidado, chás de remédios, carinho daquelas pessoas a sua volta, estava conseguindo ficar sem a bebida, até que chegando perto de Antonia que estava desenhando e teve um grande choque ao ver o desenho que retratava fielmente a paisagem do sítio onde ela nasceu. O desenho era infantil claro, mas tinha a lagoa com as flores, a casa, o pequeno bosque e o grande eucalipto com o punhal cravado em seu tronco. Pedro reconheceu de imediato e antes mesmo que pudesse dizer alguma coisa, Antonia se antecipou.
_Eu quero muito ir até este lugar, eu o vejo sempre, sei que ele existe.
Pedro ainda naquele choque, soube que Antonia era a sua filha, não tinha dúvidas, mas como diria a ela. Propôs então levá-la até aquele lugar, se sua mãe dona Maria permitisse.
_Mãe, mãe, posso ir com o senhor Pedro até o lugar do meu desenho, onde eu nasci?
_Antonia, o que é isso agora? As coisas não são assim, pelo que a falecida dona Joana falava, esse lugar, se realmente existir fica muito longe daqui, é uma viagem.
Pedro não se conteve, e exclamou!
_Dona Joana, a senhora disse?
_ Sim, o senhor conheceu?
_Conheci, era minha sogra, e eu dona Maria, sou o Pai de Antonha tenho certeza.
E Pedro passou a relatar todo o acontecido, e confirmou a proposta de levar Antonia, a ela dona Maria e também seu filho, o menino Marcos, para conhecer aquele lugar. Pedro agora não bebia mais, pois as emoções dos acontecimentos o levaram à abstinência.
Conversando com o mascate, Pedro pediu a ele para levá-los de carroça até o sítio. De imediato o mascate concordou, e sugeriu a Pedro que voltasse a morar lá no sítio, que refizesse sua vida, ele ajudaria fornecendo o que fosse preciso para recomeçar.
Numa manhã bem cedinho iniciarão a viagem, O mascate com três passageiros na carroça e Pedro a cavalo. Os pensamentos de Pedro fervilhavam, havia prometido não ficar próximo da filha por medo da chamada sina que ele achava que tinha, mas agora como que hipnotizado não conseguia mais cumprir a promessa a si mesmo. Todos esses anos de estravagância com sua saúde, só lhe restaram a filha e os poucos amigos, não tinha mais dinheiro, alias não tinha mais vida, na verdade não tinha escolha mesmo, deveria voltar a morar no sítio e recomeçar.
Quando chegaram a porteira nos limites do sítio, pararam para olhar, era mesmo o desenho que Antonia sempre repetia, agora estava feio, tudo abandonado, mato por todo lado, a casa era só escombros, mas o clima, a sensação de energias positivas era intensa. Perdido em pensamentos e olhando para o nada Pedro recebe uma ordem de seu pai.
_Vá lá naquele eucalipto e tire o punhar de la, e de um fim nele.
De um salto, imediatamente e mesmo sem pensar Pedro foi correndo em direção a árvore, só parou para olhar e ver que quem lhe havia dado a ordem fora a pequena Antonia, mas ele jurava que foi seu falecido pai, mas mesmo assim cumpriu a ordem e jogou para longe o punhal ou o que restava dele após tantos anos.
Próximo da lagoa, Antonia parecia ter estado ali sua vida toda, na casa semi destruída num canto ela encontrou a imagem de Nossa Senhora de Aparecida que com carinho recolheu entre suas pequenas mãozinhas e beijou agradecendo.
Com decisões já tomadas Pedro foi falar com dona Maria e a convidou para morar ali no sítio com ele, Antonia e o menino Marcos, teriam muito trabalho no começo, mas depois a vida poderia ser melhor que lá na cidade, e os dois poderiam se conhecer melhor com o tempo e viverem juntos como marido e mulher. Dona Maria tão sofrida com a vida de trabalho duro, era outra pessoa que não tinha muito o que pensar, e de pronto aceitou.
O mascate disse a eles que voltaria com produtos e animais para que eles pudessem começar tudo, dentro de dois ou três dias ali estaria de volta, e acenando partiu deixando ali muita esperança, muito amor, muita lição de vida, e a maior lição de todas é a mais simples, a vida, é uma viagem.
Com autorização do autor: Paulo C. Rozeto