O Gato e o Sol.
Preto, de olhos bem vivos e amarelados, era o gato. Fascinado pelo sol. Não se sabe se por causa do brilho, se pelo calor, ou por qualquer outro motivo, incomprensível para nós humanos. Todos os dias pela manhã, lá estava ele. Na janelinha do terceiro andar, sentado, parado, quase como uma estátua, a olhar para o sol. Após algum tempo, ele dava as costas e ia pra dentro. E no outro dia, no mesmo horário, ele estava lá. O que era uma fascinação, aos poucos, foi se tornado algo parecido com a possessão. Cada fio do seu pequeno corpo, cada traço de sua furtiva presença, cada bit que seu pequeno cérebro processava, desejava aquele sol. E mais uma vez ele estava lá. Não miava, não rorronava, apenas olhava para o sol, até suas vistas ofuscarem. E consequentemente, o pequeno gato ia aos poucos ficando cego. Mas isso não abalou sua vontade de ferro. Todos os dias ele estava lá. E um dia, ele cegou... Tudo era novo para o gato... Estava sempre escuro... Não como a noite... Mais escuro... Um escuro absoluto... Negro... Opaco... Era tudo um abismo sem fim e sem luz... E não importava o quanto ele forçava, não consegia enxergar nada. No começo, era tudo estranho, ele se batia nos móveis, era chutado vez ou outra, desequilibrava... Mas de pouco em pouco ele acostumou com o novo corpo... E todos os dias, assim que acordava, mesmo sem saber em qual hora do dia estava, ele ia para o pé da janela e miava. E após tanto miar, se cansava e procurava se deitar. Deixou de comer... Foi levado várias vezes ao veterinário, foi receitado a vários remédios, vários exames e tratamentos foram feitos e nada adiantou. Após chegar da clínica sempre procurava sua janelinha e ficava a miar. O dono tinha medo de coloca-lo lá e ele cair. O coitado era cego agora... Mas um dia, o gato que já era bem velho, fez sua rotina de miar parado no pé da janela, e o dono teve a compaixão de pô-lo na janela. O gato então parou de miar. Acomodou-se deitando sobre as patas, como lhe era habitual antes da cegueira, e ficou lá... Com seus dois olhos esbugalhados, porém cegos. E lá, após tudo isso, sentindo o calor do sol, sua vida o deixou... Pouco antes, pôde sentir a presença do sol mais forte do que nunca... Pode sentir que naquele dia, o sol estava especialmente mais radiante... E encantado, ele se foi, com a certeza de que, por um dia, o sol foi todo, e tão somente dele. E iluminado foi o seu último miar...