Telefonema

Uma angústia. Sentia uma angústia leve, acompanhada de uma dor no peito, constante e lenta, como as dores que matam a conta-gotas. Essa ansiedade era também uma grande expectativa diante da impotência. O que poderia fazer senão aguardar? Nada. Sentado na poltrona de vime sob a luz do abajur, tamborilava os dedos com impaciência. Os olhos, fixados na parede à sua frente, registravam-se distantes. A boca entreaberta, moribunda e seca da estação, denotava certa desesperança. O início da noite clara e de céu limpo anunciava a chegada do inverno, que andava especialmente rigoroso. Disso, e dos ambientes fechados e abafados, contraíra uma tosse, de uns dois dias. O pigarro, seguido de tosse seca, nervosa, quebrou o silêncio do cômodo. Como que realinhado à cena presente, acomodou-se ágil na poltrona, mas não pôde conter-se mais que um instante. Caminhou até o móvel do telefone para apanhar um cigarro. Antes de acendê-lo, olhou para o telefone, como que assustado com o pensamento que lhe acometera. "Não, não vou ligar", murmurou. Olhou para o relógio da parede em cima da pequena mesa de acrílico. Eram quase oito.

Num muxoxo rouco, entre plácido e resignado, acendeu o cigarro. Como de costume, acompanhou com os olhos o desenho descrito pelas cinzas no ar. Fumou devagar, sem afetações, pensando tudo pela metade, distraído. Terminou o cigarro e apagou a cinza na pequena lata improvisada. Tentara parar de fumar no verão, mas não deu certo. Sabia que conseguiria, se quisesse de verdade. Mas não quis. Sentia isso com uma certa frequência, de querer mais ou menos as coisas. Pensava que talvez fosse uma forma de evitar grandes decepções. Se quisesse muito alguma coisa, seria muito frustrante falhar. Assim, permanecia sem grandes desejos para não repetir os erros do passado. Não que fosse medíocre ou preguiçoso: tinha seus momentos de voracidade, de entusiasmo. Mas apenas para o que sabia garantido, como aquela vaga de gerente que ocupava em um dos grandes varejos da cidade, indicada por um amigo alguns anos antes. Era bem quisto no trabalho: dedicado, atencioso às demandas dos funcionários e dos clientes. Gostava de se ocupar e realizar bem feitas as tarefas, pois quando não o fazia, desatava a pensar demais, como quando criança. Perdia os olhos nalguma coisa qualquer e derivava. E quando pensava, se entristecia. Acreditava que quanto mais conseguisse se manter afastado de si mesmo, menos sofreria. E fizera um bom trabalho até então. Por isso, naquele momento, caminhando lentamente na sala do apartamento, aguardando em silêncio a ligação, a campainha ou qualquer sinal, consternava-se.

"Mas ele prometeu", sussurrou baixo, a fim de que ninguém pudesse ouvir, embora estivesse sozinho. "Prometeu que ia ligar, dar notícia". Olhou novamente para o telefone, como se ele o encarasse, voluptuoso e vermelho. Afastou a idéia nefasta de ir até ele, sob a desculpa de que teria de ir até o quarto para procurar o pequeno bilhete com o número, enganando a si mesmo, pois sabia-o de cor. Acendeu outro cigarro. "É claro que não vai ligar. É claro que não, há dias que sequer trocamos palavra. Melhor logo esquecer." Mas não conseguia. Falava em voz alta com tom ríspido, lógico, prático, como se acreditasse. Mas não conseguia. Ressentia-se dos últimos encontros. O que dissera, o que deixara de dizer? Ou será que tratava-se sequer de palavras, mas de idiossincrasias anteriores? O toque, o olhar, o clique que estalava quando duas almas se encontravam depois de longa procura? Torturava-se conjecturando sobre o que não podia controlar, e emburrava-se como uma criança. Depois abriu um sorriso mecânico, com todos os músculos da face que podia recrutar, pois aprendera que sorrir forçadamente produzia o efeito semelhante ao de um sorriso original. Um simulacro de felicidade para dissimular a tristeza. Sentia-se estúpido, em um monólogo inútil e irrelevante. Fumou e fumou e pensou e parou e fumou, novamente.

Espantou os pensamentos que o importunavam e resolveu vestir a jaqueta para ir ao armazém comprar mais cigarros, antes que fechassem. Já eram, então, quase dez. Quando pôs a chave na fechadura, resoluto, o telefone tocou. Girou a cabeça num movimento de centésimo de segundo e agarrou a maçaneta com força, amparando-se em qualquer coisa que estivesse ao alcance. No primeiro instante não conseguiu reagir. Pensou rapidamente se queria atender, se valia a pena prosseguir com aquela angústia. Se conseguiria suportar. Estava cansado de começar as coisas, de sentir, de pensar quê. E aquela maré de azar sem fim. Chegou a jogar umas partidas de pôquer com os colegas do trabalho, que se reuniam nas quintas-feiras, porém nisso também não teve êxito. Interpretou como um sinal para insistir nas pessoas e não nas cartas. Entretanto, hesitava. Valeria a pena persistir? Ele, que se esfacelara tantas vezes antes e encontrara conforto só no colo da inércia.

O corpo respondeu por si. Sentiu o coração acelerar e os pés girarem, a chave ainda na porta balançando sem vida. Precisava de mais. Podia sentir mais. Queria mais do que mais ou menos. A noite clara ficou ainda mais clara, a fresta da janela fez o vento rodopiar suave dentro da sala.

- Alô?

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 31/05/2016
Reeditado em 01/06/2016
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