Tive medo
Nada pior poderia acontecer naquela sexta-feira 13. Já tinha acordado atrasada, saído de casa correndo até o estacionamento deixando pelo corredor do prédio o celular, tido que trocar o pneu dianteiro que um engraçadinho teve a bondade de esvaziar antes enfim de chegar ao trabalho. Depois de ver o chefe com a cara torta para mim, devido ao meu atraso, acompanhei a correria do pessoal da manutenção em tentar resolver o problema da energia do prédio, para que eu pudesse enfim, começar meus afazeres. Quanto mais demorava mais tarde eu sairia naquele dia. Aos trancos, conclui minha tarefa, deixando poucas pendências para o dia seguinte. Já tinha passado das 16h e eu não pegaria mesmo o banco aberto com o gerente lá dentro para fazer um empréstimo que estava precisando para quitar uma dívida. Na saída, já nenhuma alma viva no estacionamento, dirigi-me ao meu carro, sem prestar tanta atenção ao que estava a minha volta, tamanho era meu cansaço. Não sei dizer como, de repente, senti nas costas a ponta de um cano gelado e uma voz baixa, dizendo para eu não gritar. Nessa hora, não sei o que aconteceu direito, acho que minha cabeça parou, em nada mais conseguia pensar, fui tomada pelo desespero. O infeliz foi me empurrando até o carro e me mandou pegar as chaves que eu tinha certeza absoluta que estava na bolsa. Mas, minha bolsa havia ficado enorme e eu não as encontrei. Já perdendo a paciência, ele a tomou de mim, jogou tudo que havia nela no chão e me fez agachar para facilitar minha procura. Foi o início do pesadelo. Não saberia onde iria parar aquilo. Entrei forçadamente no banco do motorista e ele do outro lado. Ele era jovem e não parecia estar tão tranqüilo com a situação, o que dava mais chances em acontecer uma catástrofe a qualquer momento. Ele disse para eu manter a calma e dirigir. Parece piada, manter a calma. Bem que eu tentava. Liguei o carro, e como se não bastasse, segui engasgando, morri duas vezes. Mas, logo logo o cano da pistola encostado à minha cabeça me fez dirigir como nunca o tinha feito na vida. E fomos seguindo. Ele me conduzia para um lugar que não era meu caminho de volta para casa. Por pior que parecesse a situação, achei até melhor, porque se ele fosse até minha casa, iria se deparar com minha família e isso eu não suportaria. Seguimos pela BR, quando avistei uma blitz. Meu desespero aumentou. Dessa vez eu não rezei para não levar alguma multa, só queria continuar viva. O trânsito estava lento e os policiais estavam selecionando os carros que iriam ser abordados. Eu nunca desejei tanto ser escolhida pela blitz como naquela noite. Mas, mesmo com um dos faróis apagados, o guarda acenou para que continuássemos seguindo. Deu vontade de chorar. O cano que havia sido encostada em minhas pernas voltaram à cabeça. O dedão do infeliz estava no gatilho, qualquer quebra-molas que eu não visse, iria me mandar para o espaço em um segundo. Comecei a chorar. Ele me mandou engolir o choro e eu obedeci. Mandou-me pegar uma estrada de chão saindo então debaixo das luzes dos postes. E fomos seguindo. Nessa hora, nem sei mais o que estava sentindo. Uns quilômetros à frente, meu carro velho parecia querer parar, por mais que eu me esforçasse, ele voltou a engasgar... O ponteiro da gasolina estava para variar, voltando ao seu lugarzinho preferido, antes da reserva... Fui suando frio... Ele começou a xingar. Ali ele podia gritar que ninguém ouvia, além de Deus. Ele estava aborrecido com o carro e desceu nervoso. Abriu a porta do meu lado, puxou-me pelos cabelos e me jogou no capô ainda quente. Rasgou minha saia e baixou as calças. Nesse instante, começou a sair uma fumaça esquisita do capô... Sim, naquela correria toda de manhã eu havia esquecido de colocar a água no reservatório. Como um milagre divino a fumaça foi tomando conta. Ele se engasgou com a fumaça, que também entrou em seus olhos e começou a arder. Estava muito agoniado. Eu disse a ele que ficasse calmo que eu saberia resolver isso. Eu iria dar a volta e abrir o capô. Abri. Mais fumaça ainda subiu. Sem pensar muito, vi a possibilidade de fugir para o meio do mato. Nunca corri tanto em minha vida. Todo o medo que tinha de entrar em um matagal havia se perdido no medo de levar um tiro ou ser pega por aquele infeliz. E segui correndo desenfreada não sei por quanto tempo. Ouvi-o gritando: Onde se meteu, sua vagabunda? Volte aqui! Vou te pegar. Ouvi uns tiros. Nem sei quantos. Eu haveria de bater os recordes mundiais de maratona. E corri, corri, corri. Difícil correr num solo tão irregular. Continuei correndo. De repente, pisei em algo que me fez torcer o pé. Acho que foi uma daquelas casinhas que os animais do cerrado fazem no chão. Cai e me estatelei toda. A palma da mão não ardia menos que o queixo. Ao abrir os olhos, à minha frente, o asfalto. Que maravilha! Eu havia corrido na direção certa. Deus foi melhor motorista que eu. Levantei-me ainda meio tonta, mas fui seguindo, com o cuidado de olhar para trás e verificar se o infeliz estava próximo. Não ouvia mais seus gritos. Teria ele se perdido no mato? Perto ou longe, eu não sabia. Só sabia correr. Andei por várias horas seguidas próxima à pista, com o cuidado de não ficar muito à vista, para que ele não me visse. Passou um carro apenas e não parou. Eu também não pararia naquele lugar àquela hora. Andei, andei, andei... Corri de novo, andei... E o sol já estava nascendo... A dor do pé e no queixo eu fingia não sentir. Com o nascer do sol, o movimento de veículos aumentou na pista e enfim, uma alma generosa me amparou. Levou-me a uma delegacia. Ao chegar, eu consegui fazer uma oração agradecendo a Deus por ter me livrado de mais essa. Agradeci cada um dos problemas que meu carro tinha. E pude então desmaiar de susto.