RE:
as palavras se sobrepõem aos instantes como uma obra que desmancha os três estágios do tempo. e no entanto, a transpiração fresca das minhas mãos umidifica e marca como pegadas amorfas a superfície da mesa agora, como agora também fossilizam-se nela as cartas, espalhadas como um coletivo de animais pré-históricos em um jardim continental e depois reunidos num museu, e eu aqui, impassivo elemento rochoso, alto, os vegetais cicadáceos subindo e alojando-se entre os poros até não deixarem mais espaços visíveis e sumindo-me por completo, ou a redoma vítrea que protege os ossos verbais de meus próprios olhos espectadores e analíticos. as cartas nem estão aqui, assim como eu. e posso sentir cada palavra entrando em mim pelo tato dos dedos, entrando por eles e seguindo o fluxo espectral e fibroso da minha leitura, o sentido sentido de cada uma delas pela pressão que teus dedos exerceram na caneta, e nas outras que você quis dissimular, e parou de escrever pra acender o cigarro, e as gavetas se encarregaram de retirá-las do papel. como nos contrapomos quando tentamos justificar racionalmente uma decisão instintivamente cardíaca. mas o selos dão a dimensão exata do que se sente dizendo que cada explosão no cosmos central da alma vale um de cinquentacentavos e outro de vintecinco, e é aí que realmente o inconformável pode rasgar as celuloses até tamanhos celulares, as letras voam atiradas ao redor mas se reagrupam na meta-memória, museu de todos os sentimentos. agora elas estão aqui, virtuais, projetadas verticalmente entre ícones selvagens que linkam as ausências e os desencontros, nessa mensagem que você, físico, pensou e enviou. e elas não dizem literalmente as mesmas coisas? os erros não continuam justamente no que escreveu com desleixo e fingindo querer sentir outro significado, enquanto algum micro-riso pendia no canto arenoso dos teus lábios? já não sei onde nem quando estamos situados nisso tudo, apenas que disso não poderão restar mais que cinzas, novamente, e ainda assim te escrevo!