Frio e Decepção
Curitiba, 12 de julho de 2002. Fazia frio na capital paranaense. Não era o dia internacional do rock, mas eu estava animado para poder incomodar a vizinhança com o bom, velho e poderoso rock’n roll. Meus pais tinham ido viajar para São Paulo, pois uma prima do meu pai tinha falecido. Eu preferi não ir, sou totalmente avesso a enterros; não agüento ver gente triste, chorando pelo ente querido que se foi. Melhor dizendo, nunca tive clima para ir num enterro. Por isso que eu não fui com os meus pais para a Vila de Piratininga. E, além disso, tinha acabado de entrar em férias, e eu queria é mesmo descansar depois de um longo e desgastante semestre na escola. Não estava mais agüentando professor bradando, berrando ao meu ouvido. Queria mais é poder descansar e poder ouvir um bom rock.
Simplesmente era tudo o que eu queria. Ou, pelo menos, quase tudo. Faltava alguma coisa. Faltava alguém. Faltava uma guria do meu lado. Tinha então 12 anos(faria 13 alguns meses depois) e estava na sétima série. O ano dos rolos, das aventuras e da pegação. Mas eu estava longe disso. Era um nerd na melhor acepção da palavra: ficava jogando CS a noite inteira pelas lan houses Curitiba adentro, jogava Magic e era um fã de Jornada Nas Estrelas, um leitor assíduo de Superinteressante e fã de toda a série de jogos Tomb Raider. Só não era gordo porque eu sempre comi pouco; se fosse gordo com certeza eu não estaria escrevendo isso. Eu era bem magro, e era bem tímido. Por isso nenhuma guria se interessava por mim. Mas isso não era motivo para não ter uma musa. Eu tinha um amor, mas era um amor platônico. Por mais que fosse amor platônico, eu gostava muito dela, muito mesmo. E era um amor tão platônico que eu não contava para ninguém, era algo especial pra mim. Era a guria mais linda da sala, a Adriana. Morena, olhos azuis, alta, corpo perfeito. Ficava admirando ela, embora nós nos falássemos pouco. Mas eu não era bonito o suficiente para ficar com ela, não teria chance. Por isso era um amor platônico.
Naquele dia, ia Ter uma festa na casa do Sebastian, que é meu vizinho. Ia vir toda a galera dos descolados da sala, incluindo a Adriana. A festa ia começar no fim da tarde, as seis, e iria até não sei que horas. Ia rolar muita diversão, muita guria e muito rock’n roll, pois o Sebastian era grunge. Como eu fazia parte da turma dos nerds trouxas, acharam que era melhor eu ficar jogando CS na lan house do que ficar se divertindo em uma festa. Teria que ficar vendo a festa por um mísero buraco no muro, a olho nu, com a percepção alerta para não ser descoberto. Era o preço que se pagava por Ter um pouco a mais de inteligência num país de acéfalos.
No meio da tarde, lá pelas três, saí do PC e fui para a cama. Liguei a TV para assistir a Sessão da Tarde, coisa que todo adolescente faz. Passava um filme assaz interessante. Era um filme sobre um garoto que havia sido traído pela sua namorada e tentava conquistar uma garota tímida, sem nenhum destaque em especial. Ele a convence disputar o concurso de rainha do baile de formatura, e um monte de coisas acontecem, coisa típica de filme colegial americano da década de 90. Me enjoei de ver e desliguei a TV. Liguei o rádio. E eis que escuto Enjoy The Silence, do Depeche Mode. Talvez a música mais bonita que eu já tenha escutado nessa vida. Fiquei desfrutando da música e da sensação de sofrimento e solidão que ela trazia. Eu tinha que acabar com essa solidão, mas não sabia como... Mas eu não parecia que estava prevendo alguma decepção. Parecia ter entrado em transe com essa música, não parecia eu naquela hora. Depois que a música passou, ainda a melodia ficou interiorizada em minha mente, parecia que a música continuava a se repetir.
Aquela sinfonia sintética martelou em minha cabeça até que um riff de guitarra ecoasse pela noite fria que havia dado a cara para bater. A festa do Sebastian havia começado. Ao fundo tocava Alice In Chains, a música eu não me lembro, mas deve ser Would, em sua versão plugada. Os convidados só iriam chegar as oito da noite, por isso nem me preocupei tanto em ver a movimentação; eram ainda seis e dez da noite.
Em casa só estavam eu e empregada; meus pais só voltariam Domingo a tarde. Daria para espiar a festa sem ninguém reclamar, pois a empregada não estava nem aí pra mim. As sete e meia comecei a espiar o parco movimento que provinha do vizinho de trás. Aos poucos a festa foi tomando corpo e movimento, parecia que ia bombar. E as oito da noite, ouço a voz de quem eu mais esperava. Era a voz de Adriana Ruffato. Toda linda, toda charmosa, pelo o que eu pude ver pelo diminuto buraco. E eu, daquele buraquinho, espiando, sem nada poder fazer. Continuei a espiar a movimentação e a escutar o buruburinho e a música, graças a minha aguçada audição. E ainda tinha um adversário, o forte inverno curitibano, que quando dá a sua cara, não há alguém que resista.
A festa estava realmente bombando. Tinha muita guria bonita, algumas eu nem conhecia. E, aos poucos, rolavam os beijos. E eis que algo inesperado para mim acontece. Eu estava espiando ainda, quando vejo Adriana aos beijos com outro, ao som de Scorpions. Aquela música, aliada a situação do qual eu era espectador, dilacerou o meu jovem coração e o fez quebrar em vários pedaços, como uma porcelana chinesa. Doeu-me na alma, doeu-me nas têmporas congeladas pelo frio, doeu-me no meu corpo. Aliado a música e ao triste acontecimento que se passou diante da minha retina, desatinei a chorar desesperadamente, como uma criança. Era a minha primeira decepção amorosa. Quis fugir para longe, para um lugar bem longe, para esquecer de tudo e começar tudo de novo. Mas eu não podia. Tinha que pagar o preço pela minha timidez, pela minha introversão, pela minha visão platonista de mundo, pela minha falta de vontade de falar com as meninas e principalmente por eu não Ter nascido bonito. “Porque tá acontecendo isso comigo...” pensei. Triste e sem esperanças, deixei de espiar a festa e fui dormir.
No dia seguinte, acordei cedo. Estava de férias, mas eu acidentalmente acordei as nove da manhã. Tomei café e depois fiquei assistindo uma competição de golfe na ESPN, procurando esquecer o que havia acontecido na noite anterior. Depois de almoçar, fui andar de bike, pois fazia um belo sol lá fora. Andei pelo bairro inteiro, mas ainda cabisbaixo e triste pelo terrível incidente de Sexta. Quando eu chego em casa, eis que uma voz feminina me chama:
- Oi, Fernando!
- Oi! Tudo bem com você...
- Tudo! Será que a gente podia conversar um pouco...
- Claro que sim!
Era a Marina, melhor amiga da Adriana. Tão bonita quanto a ex-paixão platônica. Fui lá, conversei com ela um tempão, e... quanto ao resto, eu deixo isso a critério de vocês.