Devaneios de Gabriela
Ela encarou o papel, como um lápis preso entre os dedos.
Aquela superfície branca era a coisa mais assustadora que tinha visto nos últimos tempos. Era o retrato de sua esterilidade... do definhamento de sua sensibilidade. Com um exército de palavras engasgadas na garganta e as mãos trêmulas, ela largou tudo de lado e foi até a geladeira.
Tirou uma garrafa de vodka do congelador e encheu uma xícara até a metade.
Encarou o líquido, e bebeu um grande gole, como se tomasse um remédio.
Sentiu a queimação seguir goela abaixo e um arrepio lhe tomou o corpo.
Voltou para a sala e para o papel.
Começou a fazer pequenos riscos e desenhos abstratos quando enjoou de não fazer nada.
Por fim, amassou o que era para ser uma carta, mas tinha se tornado um conjunto de símbolos impossíveis de compreender.
um retrato perfeito de sua mente no momento.
Retornou para a vodka e depois para o sofá.
Chorou até dormir, só para acordar horas depois, assombrada... como uma sensação de que tinha se afogado...
Olhou para os papéis amassados e decidiu não chorar mais.
Pegou o celular, e gravou um desabafo. Falou talvez por uns dez minutos, sem se preocupar com a coerência do que dizia.
Simplesmente falou,
vomitou,
soluçou,
chorou,
e confessou todo o amor que tinha preso dentro de si.
se livrou da farsa que a aprisionava e que lhe sufocava...
Teve medo do resultado,
tinha medo do que aconteceria quando a mensagem chegasse a sua destinatária,
tinha medo da dor da rejeição.
Mas o alívio que sentia não a deixava que se arrependesse.
Depois de muito tempo, finalmente ela estava em paz consigo mesma.