FUTURO SEM VOLTA

Dr. Solomon Hume acreditava e defendia piamente que a humanidade, toda a humanidade frise-se, deveria voltar a viver como seus antepassados longínquos, desistir de toda e qualquer tecnologia que tivesse sido implementada nos últimos séculos, um retorno radical às origens, inclusive com o abandono de quaisquer pesquisas em andamento.

Somente assim, dizia ele, o Homem conseguiria evitar o desastre vindouro fruto do desenvolvimento de recursos cada vez mais viciantes, sempre um passo mais perto da inutilidade do ser humano.

É evidente que essa posição, digamos curiosa, era vista com muito bom humor, às vezes acompanhado de uma ou outra crítica mais ácida e se não fosse a colocação social do querido doutor, advinda de laços sanguíneos muito tradicionais, ele estaria fadado a uma vida medíocre, entretanto, graças a essa particularidade muito válida desde os primórdios, os vários setores da sociedade moderna ouviam suas idéias e conclusões.

“- Ele quer que sejamos todos homens da caverna, desistir de tudo o que conseguimos, nosso conforto e comodidade, não duvidaria nada se exigisse o fim do fogo” – brincava o Juiz Atticus Erenben em meio a risadas muito festivas, algumas bastante alcoólicas, sempre que repetia seu dito preferido sobre o tema, estivesse o Dr. Solomon presente ou não.

Nesse momento ou em outro, o Dr. Solomon replicava que “ o fogo é natural, os palitos de fósforos não”, para deleite de uma plateia dividida entre o respeito ao cidadão e o escárnio da visão desse mundo nu, privado de tão rudimentar utensílio.

“- Acaso não sabem os senhores que neste exato momento, milhares de pesquisadores e cientistas, engenheiros e profissionais de diversos ramos, estão empenhados em descobrir e fazer funcionar uma infinidade de novas, e talvez terríveis, ferramentas tecnológicas... Onde isso vai parar ? Já não temos o suficiente ? Estamos caminhando mais e melhor depois dos avanços que já temos ?... Acredito que não !”

Era o discurso oficial de seu ponto de vista, não havia dados ou origens que o explicassem, apenas a especulação do perigo de algo em função de tanto já inventado.

E continuava nosso pessimista: “- Chegará o dia em que o Homem

não saberá caminhar sobre suas pernas, não conseguirá cozer um prato decente por puro desconhecimento, ignorância vinda da ausência prática, não tardará em se ver nas ruas pessoas condicionadas a não compartilhar suas vidas, exceto em meios outros, talvez mecânicos, por assim dizer... - O mundo inteiro envolvido em guerras e mortes inexplicáveis, doenças e pragas, alimentos antinaturais... Minha imaginação não alcança tanto sofrimento se seguirmos nesse caminho !”

Pobre Dr. Solomon Hume, se martirizava sozinho !

Certa vez elaborou compor uma organização inteiramente destinada a expandir sua teoria, porém, depois de muitos dissabores e algum prejuízo, desistiu do plano, até porque não conseguia sócios ou membros para a empreitada regressória.

Enquanto isso, como se por castigo, o mundo apresentava em sua porta os mais variados produtos, os jornais traziam notícias e mais notícias sobre as mais estranhas descobertas e suas aplicações - uma luta inglória realmente – o futuro estava pouco distante, sempre haveria um futuro no minuto seguinte.

Seu principal receio era que o equilíbrio entre Natureza e Espécie Humana fosse alterado a tal ponto que um dia o planeta não mais suportasse tantos exemplares, cada vez mais resistentes, sempre mais exploradores e nesse momento, tudo teria sido em vão e nada se aproveitaria - esse era seu medo, sem atentar que emergentes técnicas superassem os novos obstáculos, afinal, evoluir é, antes de tudo, resolver problemas não existentes no passado.

Após muitos anos ainda de vida (graças ao avanço da medicina, diga-se), mas insistindo em sua tese que, aos seus olhos, apenas era comprovada pelo tempo e as novas invenções, Dr. Solomon Hume veio a falecer dignamente, como compete a alguém de sua inteligência e estirpe.

Seus ritos funerais foram bastante concorridos e a lápide de seu túmulo continha apenas uma curta frase, um tanto enigmática para quem desconhecesse o cenário de suas convicções e a data de seu passamento - Nada mais havia, discreto em morte assim como honrado em vida, dizia seu último alento para a humanidade no campo santo:

“Parem enquanto é tempo !”

+ 03/11/1891