Meus Queridos Fantasmas
Preciso aprender a andar sozinha...
Sou dominada pelo medo, um medo abstrato que me limita a fazer às coisas que eu gosto. Preciso aprender a andar sozinha, vou aprender!
Caminho a passos largos pelas ruas da pacata cidade em que moro, poderia ter dado à volta (como sempre faço quando vou passar pelo cemitério), mas dessa vez não. Mentalizei uma música de igreja e cantei alto, se algo estivesse por ali eu não poderia ouvir. Abaixei à cabeça e continuei, a passos mais largos ainda, até passar totalmente pelo cemitério.
Cheguei à entrada do parque, continuei até à trilha que entra na eclusa, meu lugar preferido, cercado por fantasmas, sim fantasmas, não digo espíritos, pode até ter, mas os fantasmas a que me refiro são às lembranças. Não existem fantasmas mais assustadores que lembranças.
Nunca me imaginei aqui sozinha, na verdade não estou sozinha, estou com os fantasmas. Ah! Meus fantasmas, meus queridos fantasmas. Ainda bem que não me acompanham, mas talvez deva convidá-los a vir comigo, vou achar um lugar para eles dentro de mim, sim, dentro de mim. Os quero comigo, vou aprisioná-los em mim, assim nunca mais me sentirei sozinha, isso mesmo.
Um a um eles vão entrando, são tantos, vou me encher deles. Pode parecer ruim, mas para mim é bom, eles me farão companhia, serei cheia de lembranças. Estou farta! Completamente preenchida por lembranças, lembranças de uma vida infeliz, e porque às quero comigo se são de uma vida infeliz? Às quero porque dentre tantas lembranças tristes, eu encontrei um grande tesouro, minha força, elas me fizeram forte.
Uma vida inteira cheia de medos, e estou tão perto de me livrar de todos eles, não preciso mais que eles me façam companhia, não gostava da companhia deles, não gostava de ficar sozinha com eles, mas agora tenho meus fantasmas, meus queridos fantasmas. Recostei à cabeça na grama e fiquei admirando às estrelas. Está uma noite bem estrelada, e à lua brilha forte ao norte de onde estou. É noite de lua cheia, que maravilha!
Algo começa a percorrer meu corpo, ó céus, é bom. Deixo-me percorrer por completa, e vagamente me dou conta de que estou flutuando. Imersa entre medos e lembranças. Meus medos estão me deixando, lentamente, estão indo, minhas lembranças me cercam me mantendo flutuando... Enfim foram todos. Estou livre!
Sou surpreendida por um grito, fiquei imóvel, mas não de medo, não poderia ser, meus medos me deixaram. Quando caio em mim estou deitada na grama, ainda imóvel, olhando fixa para o céu estrelado. Não consigo entender, não posso estar com medo, eu vi eles me deixarem.
De repente, escuto outro grito, uma voz contínua, um uivo para a lua. Imediatamente sento, coloco minha cabeça entre minhas pernas e abraço meus joelhos, numa tentativa inútil de abafar o som, mas ele perdurou por muito tempo. Fui me acostumando, já não era mais assustador, não queria mais abafar o som, mas me juntar a ele, senti vontade de gritar junto, mas não de medo, de libertação.
Gritei!!! O mais alto que pude, e nossas vozes se entrelaçaram na escuridão da noite... Enfim estou liberta. Liberta pelos meus fantasmas, meus queridos fantasmas...!