Diário de Um Cativeiro.

Saí cedo de casa, dispensei o motorista e fui caminhando para escola. Ela fica apenas duas quadras de distância de minha residência da minha residência. Cruzei a Rua dos Boêmios e quando passava pela Praça da Esperança, fui surpreendido por um carro que se pôs diante de mim e em alta velocidade, cujos seus integrantes era difícil identificar, pois o carro tinha vidros “filmados”.

Nem tive tempo de pensar em correr, o medo me paralisou por completo minhas ações, e ao invés de gritar por “socorro”, o silêncio se fez presente, com um certo tom de angústia, ou seja, permaneci imóvel como uma rocha, senti o meu corpo gelar em frações de segundos. Foi quando um homem, alto e forte, desceu do veículo, encapuzado e com uma arma em punho dizendo para que eu não corresse e nem gritasse, arrastou-me pela calçada, jogando-me para o interior do veículo. Antes que eu tivesse tempo de acreditar em tudo que estava acontecendo, só consigo me lembrar desse homem falando para o motorista: “Mete o pé !” e ele vir com um lenço na direção de meu roto. Então, perdi os sentidos não me recordo de mais nada.

PRIMEIRO DIA DE CATIVEIRO.

Ao despertar do sono forçado do terror, percebi que estava num quarto pequeno escuro, sem mobília e ventilação. A única coisa que me era disponível era um colchão.

Então eu me via assim: Paulo César Júnior, 12 anos de idade, filho de Paulo César, grande empresário de uma rede de supermercados, um pai dedicado e apaixonado pelo trabalho, a família e à vida. E minha mãe, Maria Cecília, mulher de fibra e muito equilibrada que conduzia a família com “pulso de ferro”, estava ali preso e com uma situação embaraçosa.

Mamãe sempre esteve presente a cada passo de minha vida, mesmo eu sendo u garoto prodígio, ela sempre me tratava com naturalidade de qualquer criança, era a forma que ela encontrava para defender a ih infância. Logo hoje que tirou o dia para sair com as amigas, ir ao shopping da Cidade, naturalmente, não poderia prever o que estava acontecendo...

Naquele cubículo claustrofóbico, a única coisa que e podia ouvir era a voz estridente de Dori; que depois pude saber que era Dorigelson Silva, um ex- investigador d polícia, que havia sido expulso da corporação por ter matado m homem sem motivo aparente e também por corrupção.

Ainda cheguei a escutar a voz de Dori, lendo e relendo o rascunho de uma mensagem que havia escrito, ara ser entregue a meu pai, dizia assim: “ SEU FILHO ESTÁ EM NOSSO PODER. SE QUIZER O MENINO DE VOLTA, SIGA ÀS INSTRUÇÕES: PONHA 500 MIL DOLARES NUMA MALA PRETA E DEIXE ATRÁS DA BANCA DE JORNAL DA ESTAÇÃO DE TREM ÀS 10:50H, PEGUE O TREM DAS 11:00H. SE FICAR ALGUÉM VIGIANDO O MENINO MORRE !”

Nesse momento, senti-me refém do pavor, pensei pela primeira vez na morte e pude perceber como a vida humana é limitada, e no meu caso, em especial, estava a mercê de um sujeito que nem se quer me conhecia e não sabia ao menos porquanto eram as minhas perspectivas que eu tinha para a minha vida futura; nem se quer saberia sentir o que eu representava para as pessoas que me amavam e m especial, ao meu pai que sonhava em ver à frente dos negócios da família, isso as pessoas que me mantinham ali, jamais teriam o ímpeto de imaginar.

A comida que me serviam era horrível e embora eu estivesse ali a mais de 24 horas e sem fazer nenhuma refeição, não conseguiria ingeri-la; não só pelo gosto ruim, como também pela falta de apetite devido situação. Não forcei a alimentação, apenas bebi água, meus lábios estavam ressecados e era fácil bebê-la.

Mesmo me sentindo fraco, o medo não anulou as minhas forças, então gritei por socorro o mais forte que meus pulmões podia fazer e esmurrei a porta o mais forte que os meus baços podia bater, em seqüência relativamente constantes e intensas, com a raiva nunca sentida antes. Então foi a primeira e última reação que manifestei, reagindo ao choque psicológico que estava sofrendo, pois fui jogado contra uma parede e antes de cair ao chão, lançado a outra, tentando conter o soluço, supliquei-me por minha vida e ajoelhado fui em direção ao colchão. Foi quando Dori, mandou eu votar a ter um bom comportamento e usar a minha famosa inteligência para continuar vivo.

SEGUNDO DIA DE CATIVEIRO.

De alguma forma eu sentia que a mensagem já havia sido entregue a meu pai, pois poderia perceber pela agitação que vinha do outro lado da porta. Não sei bem quantos me mantinham ali preso, mas a voz grave de Dori, prevalecia sobre os demais.

Gostaria muito que o sol voltasse a tocar o meu rosto, entretanto, naquele cubículo não havia contato com o mundo lá fora. Parecia-me que havia sido construído com este propósito, era o que poderia se concluir naquele momento. Nem mesmo o rosto daquele que me agrediu, sequer o rosto dos demais integrantes que me mantinham preso, eu poderia ver, porque naquela porta, havia uma espécie de “Dreve-in”, colocavam a bandeja para que eu não morresse de fome.

O silêncio era gritante e a angústia era terrível, eu só pensava no desespero da minha família naquele momento sensível.

De súbito a porta se abriu, extinguindo por mim qualquer pensamento que me era imaginado, fora impossível tê-lo até o seu desfecho e conclusão. Adentrou até a minha direção um vulto, que pela energia das atitudes, não era difícil de imaginar que se tratava de Dori, estava encapuzado e não dizia uma só palavra, apenas tomou-me em suas mãos, amarrou-me e colocou um lenço em minha boca, de tal maneira que me era difícil mencionar qualquer palavra; e ainda com a mesma energia, vedou os meus olhos. Fui conduzido para um carro e pelo barulho grave do motor, pude perceber que era o mesmo que me trouxera para aquele local.

Não sabia para onde iam me levar, mas percebi que já era madrugada, devido a calmaria das ruas onde passávamos. Rodamos por longos períodos, porém, devido ao nervosismo, não saberia descrever por quanto tempo.

Tiraram-me novamente do carro, levaram-me para dentro de alguma casa, desataram –me tudo que me prendia e me colocaram novamente em um quarto – este já bem mais arejado do que o anterior – Havia uma pequena cama, uma mesinha e um abajur, que era posto sobre à mesa. Rodei por alguns instantes de um lado para outro, até que o sono chegou, deitei-me na cama e deixei que ele me abraçasse por completo.

TERCEIRO DIA DE CATIVEIRO.

Quando já estava totalmente ao domínio do sono, algo me chamou a atenção – Era o barulho do trem, que me dava a impressão de que a casa fazia vizinhança com uma linha férrea, e mais, o trem parava por alguns instantes e depois retomava o seu destino, dando a nítida impressão de que se tratava de uma estação ferroviária.

Encostei o ouvido na porta, a fim de perceber algum movimento do mundo exterior, mas nada pude escutar. Parecia que não havia ninguém por ali, além de mim, na casa. Não poderia nem sequer, ter a noção do que estaria acontecendo. De repente, lembrei-me da mensagem do bilhete lido por Dori, veio-me ao pensamento e então concluí que teriam ido ao encontro da tal “mala preta” com o dinheiro que meu pai, supostamente, haveria deixado na estação.

Antes que eu pudesse concluir qualquer pensamento, senti como se houvesse a presença de mais alguém no local, de pronto, corri até a porta, pus o ouvido nela – E nada! – Apenas o silêncio da casa... Novamente senti a presença de alguém, parecia tentar se comunicar comigo – Mas não havia ninguém ali por perto! – Esse pressentimento fora ficando cada vez mais forte... Mais forte...

Agora eu já me via pedindo ajuda, sabe-se lá a quem ou o que, no entanto, esse pressentimento tornou-se cada vez mais forte e mais próximo de mim, parecia que consolava o meu coração que estava em sobressalto.

Abruptamente, a porta se abriu, dei um salto, encostei-me na parede, sentei-me no chão e enterrei a cabeça entre os joelhos. Senti que alguém se aproximava, meus olhos estavam embotados de lágrimas e meu corpo de um tremor sobre-humano, até que uma mão tocou ao meu ombro... Não levantei a cabeça, foi quando o meu coração gelou. Nesse instante ouvi uma voz que me dizia – Tudo bem? – Ainda não havia tomado noção de quem seria o dono daquela voz, estava no mais completo terror. Lentamente, fui levantando a cabeça e meu coração gelou novamente...

Era meu pai! Cercado por policiais e acompanhado de uma mulher gorda e espinhenta, era Fátima Zoraide, que depois, meu pai que se tratava da dona da banca de jornal da estação e havia sido uma pessoa muito importante até o encontro do cativeiro. Meu pai me falou de toda a trajetória e depois relatado por Fátima Zoraide.

RELATO DE FÁTIMA ZORAIDE.

Fátima Zoraide, 35 anos, dona da banca de jornal da estação, viciada em bombons e vidente nas horas vagas.

“Cheguei para abria a banca e ao abrir, percebi que à sua retaguarda, bem escondido, tinha uma mala preta. Aquilo me pareceu muito embaraçoso e havia um movimento estranho no ar, no entanto, resolvi não tocar na mala.

Veio se aproximando um homem branco e alto, com a idade de aproximadamente 30 à 35 anos. O que parecia mais estranho, é que tinha uma nuvem negra sobre o semblante. De imediato achei que se tratava de um freguês, pois vinha em direção à banca de jornal.

Apressei-me a engolir o bombom que tinha na boca, para não atendê-lo de boca cheia. Só que este homem contornou a banca e saiu para o outro lado – e para a minha surpresa – ele vinha sem nada nas mãos e quando contornou a banca, já portava a tal mala preta. Esperei que ganhasse distância, fechei a banca fui atrás dele.

O gigante, subiu a escada rolante e, quando já ganhava a rua, e ia em direção a um táxi, que o aguardava, mas de repente, saíram homens armados de todos lados, inclusive de dentro do táxi. Sem entender do que se tratava, tentei retornar, mas quando virei, estavam diante de mim, dois homens.

Um bem elegante que sustentava em seu rosto um par de óculos, cujo grau de bem fraco, pelo menos era o que aparentava, e quando o olhei nos seus olhos, notei a angústia em seu rosto; e o outro homem bem mais jovem, que mau me olhou direito, colocou a mão por dentro do paletó, empunhando uma e de súbito, se postara diante do gigante, imobilizando-o, depois de derrubá-lo no chão.

Eu e aquele homem de óculos que logo se apresentou como Paulo César, ficamos parados, enquanto alguns homens interrogavam o gigante. De repente o mesmo homem que havia corrido para imobilizar o gigante, juntou-se a nós e revelou que se tratava de Dorigelson Silva, ex-investigado de polícia, que havia matado um homem e acusado de corrupção, onde foi julgado, condenado e expulso da corporação. Avistei mais à frente que tinham mais homens que também haviam sido capturados.

O mesmo homem chamou Paulo César para seguí-lo até o carro que, logo após a ação, estacionaram diante da estação. Foi quando me prontifique em ajudá-los, pois o meu sentido de vidente, gritava mais alto. Corri junto com Paulo César e entrei no carro.

Chegamos diante de uma velha casa, toda silenciosa. Como na estação Paulo César havia me contado do que se tratava todo aquele alvoroço, é que tive um pressentimento de que não havia ninguém na casa, além do menino, interrogaram-me como eu poderia ter tanta certeza do que estava dizendo, e lhes respondi dizendo que não havia nenhuma nuvem negra pairando sobre a casa.

Fomos entrando na casa e procurei manter o meu pensamento ao do menino, afim de confortá-lo e acalmar o seu coração aflito. Fomos entrando e até que ao abrir a porta de um dos cômodos... Lá estava o menino, acuado, sentado ao fundo do quarto e com a cabeça enterrada entre os joelhos, nitidamente apavorado, porém são e salvo.

Sempre fui vidente. Desde pequena descobri esta minha capacidade, mas realmente nunca poderia imaginar que um dia eu usaria este don que Deus me deu, para salvar a vida de alguém”.

ENCERRAMENTO DO DIÁRIO.

Destes três dias que estivei no cativeiro, nos quais mais me pareciam uma eternidade. Hoje, aos 25 anos de idade, resolvi transcrevê-los num diário. O que talvez aquele que o ler, não terá a mínima noção, da força desumana que fiz para resgatar de dentro de mim, estas páginas negras de minha vida.

No entanto, desta forma, escrevendo tudo isso, julgo ser, como as páginas desse diário, sendo apenas, mais uma página virada de minha vida.

Rio de Janeiro. 17 de Outubro de 2002.

Natomarkes.