Foi acontecendo. A primeira folha apontou. Veio o botão e depois a flor se expôs, nua, graciosamente agradecida, aos primeiros raios de sol. Depois, suspenso no fino galho, o tímido e pequenino fruto deu-se aos olhos extasiados, admitindo a vida em seu natural encanto. O chão esticou, verde e fresco, sob passos sem rumo, pronto à carícias. Zumbidos e pios afinados concebiam hinos à luz do dia e à noite, a noite adormecia guardada em seu conveniente e alegórico silêncio.
Foi acontecendo. Os beijos explodiam à sombra dadivosa do muro alto, sentinela atenta e alerta, sempre, que se foi escondendo atrás dos inúmeros rebentos das trepadeiras, que de bom grado consentiam delicados voos de borboletas e beija-flores. Os gerânios, par das azulzinhas pródigas, desciam quase ao chão exibindo, orgulhosos, suas cores mescladas.
Foi acontecendo. O portão guardou as entradas e saídas que minguavam. Palavras e palavras e palavras, despejadas ao longo dos paralelepípedos frios e cinzentos, intermináveis e nervosas, foram, cada vez mais e devagarinho, emudecendo, quedando-se ao sussurrar do chão quente e tenro que germinava continuamente do lado oposto.
Também ela, foi acontecendo. Dentro e fora, foi acontecendo. Para cada laivo, uma agudeza emergiu. Foi juntando fios desconhecidos e até então invisíveis, e como uma aranha que tece na calada e calada, entrelaçou deleites e agonias ao redor de si. Depois, separou-os, organizadamente, e os guardou em caixas perfumadas de ausência. Cobriu os buracos com linhas mais delicadas e mais sensíveis para seu próprio cuidado.
E foi acontecendo. Uma outra linguagem, prisioneira, talvez, de seu mais intenso estar, emergiu feito um navio alquebrado, de um mar inesgotável que nunca soube onde. Um mar vazio, que ansiava por vastidão e profundez, apenas. Uma outra linguagem que só poderia se revelar se imersa em intensos arroubos de reconhecimento e gratidão.
Aconteceu. Sem enigmáticos ritos, sem desejos inconfessáveis, sem malícia, sem penúrias. Foi acontecendo, no indisponível das perguntas e das respostas, nos filões das fronteiras, nos desníveis, nos imprevistos.
Sorrateiramente, ela desabotoou o mundo e se vestiu de vida.