A Cidadela dos condenados

Ayerivah subiu a torre mais alta da cidadela dos condenados.

Pretende usar suas novas asas esta noite.

Bate as asas uma vez.

O ar denso, pesado até, se afasta com relutância à sua volta e Ayerivah lembra-se de como tudo começou.

Tivera um sonho. Um sonho que se repetiu não apenas uma vez.

Ao forçar o mesmo sonho noite após noite, ano após ano, milênio após milênio, era após era; este acabou por se concretizar!

Suas asas, uma vez arrancadas, após a grande batalha no alvorecer do tempo, crescem novamente.

Abaixo das omoplatas, cotos novos tomavam o lugar dos ressequidos.

E través dos séculos as penas se formaram lentamente.

Ayerivah passou os limites da eternidade, testando suas novas asas.

Escondeu ao máximo dos antigos companheiros o que estava acontecendo.

Nunca, desde o início dos tempos, um dos Caídos recebera outra chance como aquela.

Esconde-se sob seu manto escuro e sujo.

Mesmo assim todos percebem o que ocorre com ele.

Seu rosto antes sombrio e encovado parece emanar um ínfimo de sua antiga luz.

A luz da esperança.

Ayerivah tentava realizar vôos curtos nos ermos mais afastados da cidadela.

Suas asas recém-nascidas respondiam muito bem.

Pretendia ascender ao infinito e pôr-se aos pés do criador. Pedir-lhe perdão por estar contra ele antes do Início.

- “O que foi uma vez, novamente será!” – filosofou esperançosamente.

O grande dia chegara finalmente, após incontáveis eras, suas asas estão fortes e seu voar é confiante.

Forçando ao máximo sua visão, Ayerivah procura pelos Iluminados que voejam no ponto mais alto do Céu, onde este se encontra em eterno crepúsculo.

O manto infecto não mais pode esconder toda a glória de Ayerivah. Logo a figura resplandecente do Iluminado caminha abertamente pela Cidadela dos condenados.

Seus antigos companheiros de infortúnio o cercam ameaçadoramente.

Ayerivah confia em seu Senhor maior. Sabe que recebera outra chance.

Timidamente um de seus mais chegados Garnael, lhe pede com humildade:

- Companheiro quando chegar ao mais Alto, por favor, leve-lhe esta lembrança minha.

Era uma rede de material dourado, que um dia fora valioso como um resgate de um imperador.

Hoje não passava de um trapo repleto de furos e mofo.

Por um instante Ayerivah pensou em não levar tal quinquilharia, mas com medo de decair na Soberba, aceita.

Vendo isso massas e massas de Caídos ajuntam-se à volta de Ayerivah cada um pedindo para que o Agraciado leve algo com ele.

Lembranças. Espadas. Escudos. Estátuas e gravuras.

O iluminado carrega nos ombros as lembranças de todos os habitantes do lugar.

O peso é incomensurável.

Cambaleante, Ayerivah sobe ao pináculo da torre mais alta no ponto mais alto da cidadela dos condenados.

Avista ao alto Gabriel, que lhe acena sério.

O iluminado olha para baixo.

A massa carcomida de seus antigos companheiros que se misturam ao chão vil.

Ele salta para o espaço.

Por instantes eternos alça vôo.

Mas logo o peso da realidade grita mais forte. O peso imenso que carrega nas costas não o deixa subir.

Ayerivah despenca em agonia.

Cai entre os pérfidos e satisfeitos companheiros de infortúnio que arrancam suas asas em meio ao sangue e a confusão.

É deixado na mais absoluta miséria e através das eras tem tempo de entender sua desgraça:

Não fora agraciado por Deus com uma segunda chance. Fora usado como exemplo para mostrar que os Caídos nunca serão perdoados.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 10/07/2007
Código do texto: T560042
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