APENAS UM CACHORRO.
“A liberdade é um cachorro vira-lata.”
(Millor Fernandes)
Para os turistas era apenas um cachorro vadio e incomodativo, para os moradores de Lumiar era uma criatura diferente , dócil, que aprendeu a sobreviver graças à sua inteligência.
Nem sei se tinha nome, mas isso não tem a menor importância.
Seu “habitat” era, exatamente, em frente à padaria, por onde circulava entre as mesas na calçada e valia-se da sua técnica para conseguir alimento.
Sem raça distinta, encarnava, por inteiro, o vigoroso “vira-lata”, imune a quase tudo de ruim que pode acontecer com qualquer canídeo e com a incrível capacidade de sobreviver a qualquer custo.
Conheci-o quando Lumiar ainda era aquela cidadezinha perdida na serra de Friburgo, onde a vida corria com a lentidão e serenidade que já perdemos. Era jovem, ainda, e estava desenvolvendo a técnica que lhe valeu a manutenção da vida por todos esses anos.
Aconteceu numa manhã em que tomava o meu café com pão e manteiga quando senti algo pousar sobre a minha perna; era o próprio que, muito à vontade, apoiava ali sua cabeça . Apesar do susto, vi que ele me olhava com os olhos mais súplices que já tinha visto. Não se mexia, nem expressava qualquer reação, apenas olhava para mim e aquele olhar me comoveu tanto que dei a ele o meu pão com manteiga inteiro. Ele comeu tudo e, com toda a nobreza, rumou para outra mesa e depois para outra, percorrendo toda a sua praça de alimentação.
Como a coleta não o satisfez, voltou à minha mesa , repetiu a técnica e ganhou um pedaço de quibe da minha mulher, mas, estranhamente, continuou apoiado na minha perna.
Daí para frente os encontros foram se tornando rotineiros, mas jamais deixou de exercer sua refinada técnica, mesmo considerando que eu possivelmente já lhe seria familiar.
Acabou vítima do “progresso”; foi atropelado por um grande caminhão e, quando me aproximei do seu corpo destroçado, mas ainda com vida, mesmo que não queira crer nisso, acho que ele me reconheceu, pois voltou para mim seus grandes olhos ainda com brilho, mas neles já não havia nada mais de súplica; eram, sim, como largas janelas abertas para o infinito!
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(dedicado a esses maravilhosos animais, que se dão por inteiro aos que escolhem como donos não raro até sua própria vida)
foto - iNTERNET
“A liberdade é um cachorro vira-lata.”
(Millor Fernandes)
Para os turistas era apenas um cachorro vadio e incomodativo, para os moradores de Lumiar era uma criatura diferente , dócil, que aprendeu a sobreviver graças à sua inteligência.
Nem sei se tinha nome, mas isso não tem a menor importância.
Seu “habitat” era, exatamente, em frente à padaria, por onde circulava entre as mesas na calçada e valia-se da sua técnica para conseguir alimento.
Sem raça distinta, encarnava, por inteiro, o vigoroso “vira-lata”, imune a quase tudo de ruim que pode acontecer com qualquer canídeo e com a incrível capacidade de sobreviver a qualquer custo.
Conheci-o quando Lumiar ainda era aquela cidadezinha perdida na serra de Friburgo, onde a vida corria com a lentidão e serenidade que já perdemos. Era jovem, ainda, e estava desenvolvendo a técnica que lhe valeu a manutenção da vida por todos esses anos.
Aconteceu numa manhã em que tomava o meu café com pão e manteiga quando senti algo pousar sobre a minha perna; era o próprio que, muito à vontade, apoiava ali sua cabeça . Apesar do susto, vi que ele me olhava com os olhos mais súplices que já tinha visto. Não se mexia, nem expressava qualquer reação, apenas olhava para mim e aquele olhar me comoveu tanto que dei a ele o meu pão com manteiga inteiro. Ele comeu tudo e, com toda a nobreza, rumou para outra mesa e depois para outra, percorrendo toda a sua praça de alimentação.
Como a coleta não o satisfez, voltou à minha mesa , repetiu a técnica e ganhou um pedaço de quibe da minha mulher, mas, estranhamente, continuou apoiado na minha perna.
Daí para frente os encontros foram se tornando rotineiros, mas jamais deixou de exercer sua refinada técnica, mesmo considerando que eu possivelmente já lhe seria familiar.
Acabou vítima do “progresso”; foi atropelado por um grande caminhão e, quando me aproximei do seu corpo destroçado, mas ainda com vida, mesmo que não queira crer nisso, acho que ele me reconheceu, pois voltou para mim seus grandes olhos ainda com brilho, mas neles já não havia nada mais de súplica; eram, sim, como largas janelas abertas para o infinito!
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(dedicado a esses maravilhosos animais, que se dão por inteiro aos que escolhem como donos não raro até sua própria vida)
foto - iNTERNET