Apontamentos para um romance

Um dia, nos encontramos. Melhor, uma noite. Na verdade, não privamos da companhia um do outro. Apenas frequentamos, ambos, uma festinha de fim de semana, na casa de uma das minhas colegas. Eu te vi, em determinado momento, e me chamou a atenção a tua barba, aparentemente macia, raiada pelos primeiros fios cinzentos.

Eu acabava de entrar no curso de Letras, depois de ter feito por algum tempo Direito – o suficiente para saber que não era aquilo que eu queria. A tarefa de estudar me agradava. Nem sempre era fácil conciliar as aulas com o meu trabalho no banco, mas, de alguma forma, minhas novas atividades terminavam representando uma fonte de distração, uma oportunidade para arejar as ideias. Era como se no curso me defrontasse com um mundo mais leve: eu voltava a ser aluna.

Foi num encontro de fim de semana que te vi. Que me apercebi da tua presença. A turma era animada, diziam os professores: eu concordava. Nem sempre frequentava as reuniões de confraternização, muitas vezes permanecia em casa descansando, ou estudando. Mas, quando resolvia ir, o ambiente cordial me fazia bem. Naquela noite, tu conversavas com um grupo. Notei a tua barba e os teus olhos cristalinos, que sorriam. Depois, me distraí com um colega, que contava causos – e aqueles, como costumam ser os causos, eram engraçados.

-- Gente, a comida está na mesa - gritou a anfitriã. Arrefecimento, por um breve instante, das falas múltiplas: o pessoal foi-se chegando, eram trazidos da cozinha os pratos quentinhos, recém aprontados. Por entre as vozes, a colega convidando, sirvam-se, não

deixem esfriar. Desnecessária a insistência: naquela noite dedicada às massas – com acompanhamento de galinha assada – a turma curtiu alegremente a refeição.

Lembro-me bem do momento em que saí: uma cerração fria envolveu-me quando a porta se abriu. Enrolei bem enrolada a manta em torno do pescoço, tentando proteger a garganta do alto grau de umidade, e corri para o carro, que havia deixado perto. Outras pessoas também iam embora, talvez tu estivesses entre elas. Mais provável que ainda tenhas ficado, gostavas muito desse tipo de encontro.

No ano seguinte, desempenhamos as funções de professor e aluna. Tentamos disfarçar uma espécie de encantamento mútuo que se foi estabelecendo, paulatinamente, entre nós. Mais tarde, ao rememorarmos aqueles dias, tu me contestaste: “Não, não foi algo paulatino, foi instantâneo.” Só pude rir, deixei passar. Mas, era incontestável que os mais próximos, e/ou talvez os mais perspicazes, notavam o brilho nos nossos olhos quando nos encontrávamos frente a frente. Não pensei muito: vinte anos de diferença não significavam um entrave. Para mim, eras um homem imperdível.