Viagem no tempo

Naquela época ainda garoto trabalhava no jornal A Noite, sua segunda vida, então instalado na Cinelândia no Rio de Janeiro. Eu era office boy trabalhava muito, bancos, buscar matérias etc. e nos espaços ainda servia cafezinhos. Mesmo assim adorava o serviço porque não tinha que ficar entre quatro paredes.
No fim da tarde pegava o bonde na estação Tabuleiro da Baiana. A minha maior diversão era ficar de olho no cobrador que enchia entre os dedos de dinheiro para depois registrar. Ele pegava na cordinha e rapidamente fazia o registro. Claro que boa parte do que tinha arrecadado não passava pelo relógio contador. Diziam que era assim, plim, plim, plim, um pra voces e dois pra mim. Na verdade tava na boca do povo. Teve até uma marchinha de carnaval que satirizava sobre o assunto. A esperteza vem de longe. Na estação Barão de Mauá ( Leopoldina ) eu pegava um trem para Petrópolis, quanto tempo de viagem nem lembro. Seguia pela baixada fluminense passando por Caxias, Campos Elíseos, Imbariê, Piabetá, Pau Grande terra do famoso Mané Garrinha até Vila Inhomirim, estação Raiz da Serra. Nesta estação eram atracadas as máquinas especias que empurravam serra acima os vagões que iam na frente, normalmente dois para cada máquina que lentamente ia cantando. <Café com pão manteiga não, café com pão manteiga não> o barulho feito pela máquina assim foi traduzido pelo povo. Piuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiu-uipi. Gritava seu apito estridente. Vez por outra os passageiros distraidos levavam um baita susto com o apito, principalmente os que aproveitavam para tirar uma soneca durante a viagem.
E vai o trem aos solavancos por entre as matas  rente a enormes pedras e sobre altos pontilhões que até faziam medo de tanta altura. Da janela de madeira se avistavam pequenas casas aqui e acolá meio que escondidas por entre as árvores e bananeiras. Quando o trem surgia todos corriam até os quintais. Parecia que o trem nunca mais iría passar por ali de tantos acenos. Hoje vejo que aquelas pessoas pareciam prever realmente o triste fim do trem.
Adeus,adeus! Saltitavam e festejavam as crianças numa alegria incontida. A noite a viagem também era muito interessante, apesar da escuridão,todos viajavam tranqüilos.Outros tempos! Da chaminé do trem saiam flocos de fuligem incandescente que se misturavam com o piscar dos pirilampos. Lembro bem da minha camisa "Volta ao Mundo" ficava toda salpicada de cinzas negras mas era ótima, lavava a noite e vestia pela manhã. Era um sucesso porque não precisava passar. Não se esquecendo da calça Rodeio com a bainha dobrada, o charme da época cujo slogan era < Brim Coringa não encolhe>e para completar o famoso tenis azul Conga. 
Que saudade da Maria Fumaça!
Primeira parada era no Meio da Serra, uma vila operária onde funcionava a fábrica de tecidos Cometa, hoje apenas duas altas chaminés restaram, em qualquer lugar do mundo estariam preservadas e seriam ponto de visitação turística. Um marco na história de Petrópolis que se apaga lentamente como tantas outras fábricas que fizeram o crescimento da cidade. Enfim... Próxima parada estação Alto da Serra, saiam as máquinas especiais, daí pra frente só uma assumia o comando até o centro da cidade imperial. Finalmente Petrópolis, a cidade onde nasci. Nas praças muitas flores, hortensias, lírios, agapantos, copos- de- leite e papoulas ocupavam os jardins  bem recortados. Terra do frio, chuva fina e do ruço que escondia todas as casas. Bem este conto não foi um sonho e sim  um conto real. Algumas coisas ficaram na história outras se perderam no tempo ou o progresso destruiu. Ah se eu pudesse, voltaria o relógio do tempo para estar na última viagem e despedir-me daquele trem mesmo com o coração partido e dizer-lhe um triste adeus. 
Hoje só uma saudade.
Saudade daqueles tempos.
Que saudade da Maria Fumaça!


Donjotta
Enviado por Donjotta em 10/07/2007
Reeditado em 09/08/2007
Código do texto: T558934
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