Mirela

Se sofro sempre, o amor é apenas uma pequena verruga em meu corpo-chaga, pensava ela minutos antes de se atirar de sua cobertura multiplex. Motivo: outra tentativa de obter verrugas grandes, dessas que todo mundo vê e cai nauseado. Durante toda sua vida buscou ferimentos leves, controláveis, indolores, ou, ao menos suportáveis. De repente uma ânsia desbravada de se ferir total e plenamente. Nada mais de baunilha, decidiu. Sentir dorido é o que busco sentir-sentindo. Começou amando os móveis da casa. Amou a geladeira, fria demais. Amou o fogão, fogo em demasia para seu corpo besuntado de odores não-inflamáveis. O sofá, desejo-solidão. Lembrava-lhe espera de algo que não conseguia compreender. Viu de sua varanda a miudez de transeuntes. Meu deus, pensou, como amo as formiguinhas evoluídas. E decidiu sair de sua toca-tamanduá e apreender odores novos com seu corpo-língua. Viu cachorros-pedintes, pedintes-cachorros e amou-os como se fossem ouro-raridade de uma raça incriada. Andava como que inebriada de tantas lacunas por preencher, tantos sem-nome sem-teto sem-pão sem-amor e tanto amor-chagoso para ofertar-lhes que seriam necessárias três de suas vidas para deslacunar tanta solidão alheia. Sua agora. Solidão tanta, por quê? Brinquedo-monstro o mundo. Invenção do capeta, pois Amor não pode ter criado tanto desmundo em peitos tão pequeninos. Humanos. Acolchoados de esperança. Assim pensava enquanto se dirigia ao seu espaço-solidão de fora. O de dentro, inviável. Dor em demasia. Nunca confrontar-si. No apartamento, o olho-flecha espelha o corpo. Embaçamento ante a miragem da mulher. Imagem clara, concreta. Talvez por isso dificuldade enorme quando ela-mira-ela. Mirela me chamo, então como derrubar esta ânsia, esse descontentamento, eu-descontente-nós? Se eu cair de onde estou, vigésimo andar, serei amada e preencherei vácuos...De quem? Não importa, somente amar, amar, amar...

Se sofro sempre, o amor é apenas uma pequena verruga em meu corpo-chaga...