Célia
Estamos em 1957...os personagens aqui criados tem o nome fictício...embora se trate de uma história verídica.
Tudo começa, quando a nossa personagem principal, tem de imigrar para Caracas _Venezuela, acompanhada de sua mãe Maria, para ir ao encontro de seu pai; António.
Célia, chegou a Caracas, mais propriamente ao bairro da cidade: Cátia, onde eram aguardadas ansiosamente por seu pai, afinal, estivera ali, só sem a família durante sete anos.
António, partira para Caracas, à procura de uma vida melhor. Fez de tudo, desde pedreiro, carpinteiro...até que um dia, a convite de uma amigo, entrou no negócio de padarias.
Aí as coisas eram mais favoráveis; até então, tinha que preparar suas próprias refeições.
___Sete anos mais tarde, já de situação financeira melhorada, volta à sua terra natal, de onde partira, deixando mulher e dois filhos: Célia e Rolando.
Célia por sua vez, e por mais díficil adaptação ao pai, que só conhecera na altura pessoalmente aos oito anos de idade, foi então decidido que iria ter com seu pai na companhia da mãe, para a cidade de Caracas, uma vez que então seu pai já se encontrava lá novamente, Célia ficou só para terminar o ano lectivo.
Então, depois de uma viagem aérea turbulenta, uma vez, que teve avaria no avião, este voltara para o aeroporto de Lisboa duas horas de voo com uma "pequena avaria" (diziam eles).
Estando já em Caracas, no bairro de Cátia, tudo era diferente. Tinha que andar de sapatinho e meia todos os dias...não podia correr descalça pelos prados. Havia uma TV podia ver os meus filmes preferidos. (Mas adorava andar descalça pelos prados).
Desde pequena Célia, era atenta aos noticiários, (hábito criado por seu pai). Primeira coisa de manhãzinha, ligar o rádio, ouvir as notícias matinais.
Graças a esse aguço pelo gosto das notícias, Célia foi se apercebendo que diariamente haviam casos de raptos, assaltos...etc....
Logo fácil de imaginar que se tratava de uma cidade com algum perigo. Logo, todos os dias , e a cada dia, a cada hora, tinha mais certeza de que ali não era o seu lugar.
Numa rotina diária, sua mãe, como já referi antes, viajou junto com Célia, onde se reuniram para então finalmente ter uma vida normal de família unida. Apesar de ter deixado em Portugal, seu outro filho, Rolando.
___Continuando...a mãe de Célia, (Maria) para que o esposo não encerrasse o estabelecimento comercial em hora de almoço, (para melhor servir os seus clientes)... Então, Maria, levava o almoço, até ao local de trabalho, ficava a uns dois quarteirões dali.
Célia aguardava a volta dela, ficando no adro do edifício brincando com outros meninos vizinhos. Trazendo consigo sempre a chave da porta de casa, simples e sem chaveiro, apenas ocultada pelo polegar, prensando-a na palma da mão.
Nunca deixava que ninguém a visse. Sabia do perigo que representava ainda mais naquela cidade!
___Certo dia, vê uns meninos; (meninos da favela provavelmente) rondando todo o prédio, deviam andar à procura de algo que pudessem afanar, (pensou logo, Célia). Destemida, determinada, disfarçadamente segue-os com o olhar e o corpo à distância.
Pelo caminho, foram deixando umas revistas em quadrinhos, deram a volta e talvez por se sentirem observados, não levavam nada, (havia sempre estendais, nas traseiras e costumava desaparecer algumas roupas).
___Aqui começa a aventura de Célia: ___ Em simultâneo, ainda de olhar atento, para os meninos que se afastavam, eis que dá com os olhos num desconhecido, vindo do outro lado da avenida, em sua direcção;
O coração de Célia, bate fortemente... Sente um leve arrepio... uma sensação de medo...algo lhe diz que aquele homem, tem más intenções.
"Lembrara-se então, instantes antes, de sua mãe sair para cumprir a tarefa diária, (Levar o almoço a dois quarteirões) veio-lhe à mente, ter ouvido passos, a entrar no prédio, (morava no rés do chão) logo entreabre a porta, com a correntinha de protecção, (jamais se abria a porta sem essa correntinha que a travava).
___Interessante; "Pensa " : Já naquele momento, ao ver aquele estranho entrando no prédio e aquela hora; não era normal. Mesmo chamando a atenção de sua mãe, ela não deu importância, (coisa de criança. pensou ela).
__Enquanto fitava-o de modo temeril, assustado... estes pensamentos, somavam-lhe os medos... a certeza de se tratar do mesmo homem. Este então teria andado a premeditar algo. Mais o medo se somava...nem podia acreditar; estava seguindo em sua direcção!
Célia começou a sentir um pequeno estado de pavor, mas sempre com seu semblante normal, não fora ele perceber algo, e daí fazer-lhe mesmo mal, era as conversas que ouvia: (não reagir diante do inimigo, pois poderia ser fatal.) esse pensamento, sempre presente em todos os instantes de Célia durante este acontecimento.
Inerte, como que estática, Célia não sabia o que fazer... uma coisa era certa, não podia deixar que visse a chava na mão. Ninguém por perto, parecia conspiração, nem podia acreditar...!
O desconhecido, pasos lentos avança, mais alguns passos, baixa-se, segura algumas revistas em quadrinhos, deixada momentos antes pelos garotos de rua.
Pensei: pra quê? ___(Logo veio a resposta:)
___Célia estremece. O homem dirige-se a ela...! Suas suspeitas se confirmaram: Provavelmente, é um raptor, assaltante... ou coisa que o valha!
Mesmo assim, Célia, prende cada vez mais a chave, como não tinha chaveiro, o polegar a escondia perfeitamente, o braço descontraído, e restantes dedos, de forma que o indivíduo não desconfiou nem um segundo de tal facto.
Tendo em conta a idade de Célia, oito anos e alguns meses, esta já tinha ou então criou naquele instante, um sentido pra além do sexto, precisava sair dali, mas como?
___Não se tratava de um filme, era real e estava acontecendo com ela. Ainda não acreditava no que se estava a passar!
De repente o desconhecido, aproxima-se mais e começa um diálogo:
____Queres ler? (mostra-lhe a revista em quadriénios) ___ Não... Obrigada.
____ És portuguesa? ___ Sim... (cada vez mais assustada) mas, sempre aparentando uma calma e descontracção de quem não desconfia de nada) Célia vai respondendo ás perguntas do desconhecido.
____ Onde estão teus pais? __ Saíram...
Célia, sabia que ele observara todos os passos desde aquela hora em entrou no prédio.
O importante é que não descobrisse que estava de posse da chave de casa.
___ Olha, vai guardar a revistinha em casa, eu te ofereço, (tentando persuadir Célia a entrar em casa), esta contínua... Não tenho a chave!
____ Então diz-me onde é a caixa de correio:
___ È ali!
____ Vamos até lá... retrucou...!
Célia já entrando quase em pânico, mas sempre aparentemente calma, segue o que o individuo lhe diz.
____ Então guarda as revistas para leres... depois de muita insistência... Célia, trémula, segura as revistas, e calmamente as coloca por debaixo da porta...a chave sempre presa na palma da mão, escondida pelo polegar...
___ Mostre-me então a sua caixa de correio... (ficava ao fundo do corredor junto ás escadas, e junto a uma porta de apartamento)....
Célia... pensava numa saída, talvez tivesse tempo de tocar a campainha e ter a sorte de encontrar alguém em casa, mas pouco provável, numa cidade onde todos trabalham e dificilmente vem a casa almoçar... (o pânico aumentava).
Num movimento, rápido o estranho, agarra Célia, e a coloca em seu colo, e senta-se na escada do prédio... Célia, sente que corre perigo, pensa: Que será que vai acontecer?
Recebe, ofertas de chocolates, ao que responde sempre negativamente... Enquanto um frio enorme lhe desce pelas veias percorrer todo o corpo, parece um pesadelo... e uma campainha bem ali a sua frente, mas, se salta e carrega no botão, e ninguém abre?... Provavelmente ele pode me matar... (pensava ela)...já em pânico, (só interiormente, pois conseguiu disfarçar normalidade ao seu malfeitor).
Coração aos saltos, quase apavorada, impotente...foi quando como que por milagre... (por isso Célia acredita em milagres)... Ouvem-se passos adentrando o edifício... foi quando o individuo deu um salto... Solta Célia... e corre pelas escadas acima, dirigiu-se ao terraço do prédio.
Célia, implora, ao casal que entrou naquela hora: ___ Por favor, tem um ladrão aqui no prédio, tentou raptar-me...!!!!
___ Sim... sim... menina, nós vamos ver... ____ Obrigada! Retrucou agradecida.
Célia ao mesmo tempo, entra em casa o mais rápido possível, tranca a porta , e claro, na volta da mãe, narra toda a história.
No dia seguinte, indaga a pequena Célia os vizinhos que caíram do Céu naquela hora de aflição...__ Então pegaram o ladrão?
____ Sim menina... Fomos até ao fim das escadas e não vimos nada!!!
Imaginem... de tanto medo e com toda a certeza, trancaram-se e nada fizeram claro...
Fica aqui registrada a coragem desta pequena, que em momento algum deixou transparecer, o medo que sentiu, para que seu possível agressor, pensasse ser ela uma ingenuasinha que nem sabia o perigo que corria... não deixando que descobrisse estar da posse da chave de sua casa.
Assim com Fé e coragem, venceu o inimigo!!!
Moral da história...
Célia passou a viver como num cativeiro, sempre trancada a chave quando sozinha... e sonhava... com o seu cantinho de liberdade à beira mar plantado... e passados doze meses, volta sozinha, deixando para traz os pais, que com muito sofrimento a deixaram ir para Portugal, terminar os estudos, uma vez que levada pelo trauma vivido, negava-se a frequentar qualquer escola que fosse naquele país.
Caso verídico, narrado e escrito por:
Cecília Rodrigues