A Montanhesa - Parte 6

A Montanhesa

Parte VI

Pouco tempo depois, montados os animais de montaria, a coluna de socorro iniciou a marcha, primeiro em vivo galope, mas, pouco a pouco, num trote lento a até a passo devido à escalada íngremes sinuosa dos montes nortenhos. Fora as ordens e incitamentos aos animais, a comitiva percorreu todo o trajecto demoradamente silenciosa. Poucos eram os intervalos de paragem e descanso. Havia um frémito de urgência cautelosa, pairando no ar. 0 termo decorreu moroso, difícil, nervoso e cansativo, mas, por fim, alguém exclamou:

- 0 casebre!... lovan vive!

Junto ao casebre, flutuava ao vento nordestino, num mastro improvisado, e num galho de árvore ao alto, urna flâmula azul celeste.

A visão daquela flâmula e incentivados pelo grito animador, a comitiva apressou o passo e avançou célere e de esperança renascida.

À entrada do casebre, apoiada no seu nodoso bordão, estava a velha viještica, acenando-lhes. A jovem amazona desmontou a correu para ela, abraçando-a, e, num olhar implorativo, interrogou-a:

- Sim, meu Lírio! O cavaleiro vive - e, dirigindo-se à comitiva, ordenou:

- Vinde, depressa! Ele precisa de vós...

E, estirado, encontraram o doente febril, exausto, lívido, delirante a agitado. A infecção e a febre dominavam aquele corpo robusto, apesar dos cuidados primários prestado pela velha senhora.

0 cavaleiro sobrevivia, quiçá, graças à sua tenacidade de vida e à sua resistência física. Neste cenário, o médico ordenou todos os presentes que se retirassem e iniciou os preparativos para uma operação urgente.

Mover o doente, naquele estado deplorável, seria matá-lo. Assim, arriscou-se, de imediato, a uma intervenção cirúrgica em ambiente adverso.

0 projéctil tinha-se alojado no tórax tendo perfurado os pulmões e no iminente risco de cortar a aorta. Fora um milagre ter sobrevivido tanto tempo. A operação decorreu lenta e apreensiva. No se falava nas imediações,

receando despertar maus espíritos, e os únicos sons eram os provenientes do vento, os do balançar das árvores, os do balir dos animais e os do piar das aves. Em suma, sinais da vida que decorre natural, afastando a morte.

De súbito, em tempo indeterminado, o cirurgião reapareceu à entrada do casebre, antes improvisada sala de operações, serenando os ânimos e pedindo Fé.

- lovan vive... Todos os cuidados lhe foram prestados e a bala retirada. Aguardemos... - e num murmúrio:

- Se essa for a vontade de Deus!

Os presentes pareceram secundá-lo nessa prece silenciosa.

E mais tempo decorreu inexoravelmente ainda mais lento e precioso. Ao cair da tarde, os preparativos de acampamento da comitiva estavam

prontos, as montadas descansadas, pastoreando no campo, assim como as bestas de carga. Preparavam-se os cavaleiros e para passarem a noite nesse monte bravio em que o sono não chegaria decerto ou, se sobreviesse, seria exausto e preocupado. A noite estava límpida, as estrelas brilhavam e o luar iluminava o lugar espalhando as sombras da quietude...

Lírio repousava exausta em cama improvisada sob a tenda montada. Apenas o medico, os cavaleiros e a idosa dama velavam, sem descanso,

o paciente.

Este piorava a olhos vistos, a perda de sangue tinha sido copiosa, o cavaleiro estava exangue; Lírio acordou na madrugada com os sussurros de angústia intervalados de novos preparativos médicos.

Falava-se de transfusão directa de sangue dos presentes para o doente - método arriscado para o dador e o doente, os corações teriam de estar em sintonia completa – a exaustão grassava... Até que, uma voz sumida, ressoou atrás de todos:

- Ele terá o meu sangue... – e perante o espanto de todos, voz mais alta e enérgica soou – Será o meu sangue!

O médico, perante a hesitação e quase renúncia da dádiva, apoiou incisivo, contrariando quaisquer outras perguntas ou negação: - Lírio, tem razão. Ela descansou e é a mais jovem de todos!

Puxou-se um catre desmontável para perto do leito do paciente, elevaram-no mais alto e nele deitaram cuidadosamente Lírio, que, fazendo jus ao seu nome, apresentava a tez pálida e fria.

Do braço da jovem jorrou vida para o corpo do cavaleiro... Seus corações batiam em uníssono.

Terminada a tarefa, saíram e deixaram Lírio a repousar lado a lado com o cavaleiro inerte, mas respirando mais aliviado e compassado.

Exaustos, também da longa noite, médico, idosa e cavaleiros recolheram aos aposentos montados em tenda.

E mais tempo decorreu...

(continua - parte 7 e epílogo)

Poeta sem Alma
Enviado por Poeta sem Alma em 22/03/2016
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