Caderno

Sala de aula clara e ampla. Cadeirinhas coloridas por toda parte, como objetos dançantes e encantados. Na lousa, uma letra de música de Toquinho: " sou eu que você seguir você no primeiro rabisco. Até o be-a-bá..." Paredes com desenhos de alunos, horários das atividades, datas de aniversários e pinturas diversas. Adelaide, professora da classe, tinha acabado de sentar em sua enorme cadeira de madeira. Apoiava as mãos na mesa que estava cheia de atividades,lápis de cor, pincéis, borrachas e canetinhas... Abriu a gaveta, afastou alguns papéis e retirou seu plano de aula. Observou seus alunos, que estavam dispersos e animados. De repente se percebeu imersa em um transe momentâneo. Começou a imaginar os desenhos tomando vida e as crianças adultas. Levou um choque ao olhar-se no espelho,pois viu uma senhora de seus 70 anos. " O que estava acontecendo?" Nitidamente confusa e com a cabeça rodando, ouvia a música do Toquinho tocando...tocando... " sou eu que vou seguir você no primeiro rabisco até o be-a-bá...por todos os caminhos coloridos vou está, na casa , na montanha, duas nuvens no céu e o um sol a sorrir no papel..." Adelaide estava cada vez mais tonta,e quando olhou para o teto, percebeu que ele estava todo escrito de poesias... nesse instante, sentiu que sua mão segurava um caderno pequenino ( caderno de criança). O adultos estavam com caderninhos repletos de poesias maravilhosas. E a vida parecia estar toda ali naquela sala: na sala de alfabetização. Tudo estava ali, seus sonhos, seus desejos mais íntimos, seus traumas e as sensações que os fizeram ser quem é. Os adultos olhavam os objetos da sala com tamanha emoção que lágrimas caiam levemente de seus olhos atentos. A única coisa que tinham daquele tempo e podiam utilizar era o caderno. As folhas rabiscadas estavam ali como prescrutadoras do tempo e resgate de memórias. Nesse momento Adelaide percebe que estava voltando de um delírio/sonho e que um aluno chamava seu nome: " Tia Adelaide! Tia Adelaide!'' Ela olhou para a turma com olhos embargados e se percebeu diante dos mesmos rostinhos de criança que conhecia. Mas, agora não as via da mesma maneira. Percebeu nelas os adultos do sonho e se emocionou ao vê-los agora com olhos infantis. Um caderno azul caiu no chão da sala e uma das crianças correu até ele. Segurou, muito feliz, aquele caderno velho, e começou a desenhar.Parecia que o conhecia melhor do que qualquer outro objeto e até mesmo do que a si mesmo. E então a música toca e toca e toca no coração da vida:

"A vida se abrirá num feroz carrossel

E você vai rasgar meu papel

O que está escrito em mim

Comigo ficará guardado

Se lhe dá prazer

A vida segue sempre em frente

O que se há de fazer ?

Só peço a você um favor, se puder

Não me esqueça num canto qualquer"

Alessandra Zelinda
Enviado por Alessandra Zelinda em 21/03/2016
Reeditado em 21/03/2016
Código do texto: T5580670
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