Do outro lado da rua

O som da carapaça dos mariscos sendo quebradas se confunde com o barulho das ondas,com olhar fixo no horizonte Zelito vai pouco a pouco se distanciando de seu oficio... -Você precisa istudá,minino. Cuidá do seu pai,ajudá ele na lida é importante,mas tem que istudá também.

_ Eu sei madrinha,mas é um saco,num intendo nada do que a professora fala.

_ Deve de ser mermo muito ruim,mas num deixe de ir não,num quero te ver terminando como teu pai,pobre e infiado na cachaça.

O desânimo de Zelito acabou com a chegada de uma nova aluna,jovem morena,rosto delicado,extrovertida.Pensava nela dia e noite,soube que se chamava Bruna,morava na outra rua com seus pais e mais dois irmãos.Tudo virava pretexto para passar em frente à sua casa,mas sua timidez o impedia de se aproximar.

Uma noite tomou coragem e ficou na frente da igreja esperando a missa terminar pra falar com ela,confiante,pediu-a em namoro.Sem sucesso passou a noite sentando no mirante se perguntando porque tinha que ser assim,certamente pelo fato de ser negro,pobre e sem estudos.Determinado a procurar emprego,vai pra Recife apenas com seus documentos numa pasta,mas volta sem nenhuma indicação em razão de sua desqualificação profissional.Deprimido,passa a semana inteira sem ir à escola.

-Simbora negão,vai ficar ai se abestalhando? Hoje é sábado e tem sambada de coco,aposto que a pirraia vai tá lá se divertindo e tu ai como um bocó,vamo! -chamou Tôta,seu amigo de infância.

De longe se ouvia o som forte da alfaia marcando a pisada do coco,salão cheio,pessoas bebendo,conversando.Ao vê-la rindo e sambando com as mãos nos quadris,Zelito congelou.Está linda! -pesou ele. Buscou uma mesa mais afastada e sentou com Tôta para beber,não conseguia desviar os olhos dela.Já ia descambando pra meia noite quando perdeu o controle quando a viu dançando com um surfistinha de fora,levantou-se abruptamente da mesa,pegou uma faca na mesa vizinha,correu em sua direção e a esfaqueou.Em meio ao alvoroço sai foge pra casa da madrinha,localizada numa comunidade ribeirinha do Recife.Foram meses de desolação,não conseguia esquecer o rosto de Bruna.Ficava horas a fio sentado à beira do açude olhando para o nada,o que despertou a curiosidade e o interesse de Leo,adolescente desocupado e viciado em maconha.Sob sua influencia começa a usar a droga,num momento de lombra(alucinação) é interpelado por um peixe à beira do açude:

-E ai,otário vai ficar nessa de consumir essa porcaria?

Zelito se assusta: -oxi,que porra é essa? -Devo tá muito lombrado mermo!

O peixe continua: - Se liga,mané,se tu quer conquistar a pirraia,tem que parar de consumir essa porcaria e começar a vender.

Com essa ideia na cabeça começa a se sobressair entre os pequenos traficantes locais,o que despertou a ira de Nezinho distribuidor da droga na comunidade vizinha.

-Esse neguinho tá se metendo com quem não deve,tá querendo acordar com a boca cheia de formiga.

-Ei,irmão,faz isso não,é meu parceiro,deixa que passo a real pra ele- respondeu Leo.

-É bom mermo,num quero ver esse malandro na minha área. avisou Nezinho.

O tempo passava e ele não conseguia tirar a garota da cabeça,por meio de sua madrinha fica sabendo de sua doença,monta vigília perto do hospital na expectativa de conseguir vê-la.Aproveitando a saída de de sua mãe do quarto,entra sem ser visto e se choca ao ver seu amor entubada.Rapidamente beija seu rosto e deixa um envelope com um pedido de perdão e todo o dinheiro que conseguira juntar pra ajudar nas despesas médicas dentro de uma bíblia posta na cabeceira da cama. Assim como entrou,sai atordoado,pega um táxi e vai ao encontro do distribuidor da droga,sem saber que de fato está indo de encontro a uma emboscada armada por Nezinho.O engarrafamento,dada a hora de pico,o deixa mais angustiado,começa a pensar na situação do pai,nos conselhos da madrinha,nos momentos de infância pulando com seus amigos dos barcos ancorados na praia,no rosto de Bruna...não consegue conter as lágrimas que começam a escorrer copiosamente.

-Não dá pra sair desse engarrafamento não? -pergunta desesperado. Ao levantar a cabeça seus olhos se fixam no adesivo colado no vidro do carro que está na frente do seu táxi: " Há esperança,não desista de você!" Após breve minuto de inercia,pega a carteira,paga ligeiramente a corrida e sai correndo entre os carros em direção ao hospital.

Iris Rago
Enviado por Iris Rago em 21/03/2016
Reeditado em 21/03/2016
Código do texto: T5580390
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