Brincadeiras da quarta 'B'

A turma era irrequieta e aluno algum ficava parado quando transcorriam as aulas, o que fez muitos dos professores queixarem–se à direção do colégio sobre os aspectos negativos do comportamento do alunado. Não havia um só aluno com liderança plena e, na verdade, todos eram mesmo líderes de proatividade elevada quando o objetivo era brincar, quer em sala de aula ou durante os recreios alegres daquela quarta série do Curso Ginasial.

Quando da volta da cantina do colégio e já na sala de aula, em torno das nove horas da manhã, garrafas de Coca–Cola vazias trazidas irregularmente da cantina – sem o líquido preto gelado recém–ingerido por alunos sedentos – eram utilizadas pelos alunos dispostos em círculos dentro da sala da Quarta 'B', quando punham–se tais 'atletas' a jogá–las: cada um arremessava a garrafa que a si chegasse, cabendo a recepção a outro aluno qualquer e, para tanto, todos aprumavam–se para receber com as mãos e jogar em seguida o bólido ao próximo. Um erro na recepção ou no arremesso malfeito encerrava a brincadeira com a queda ao chão da garrafa e a consequente quebra de seu vidro, que imediatamente era coletado, com cuidado para evitar–se cortes nas mãos, o que todos faziam com rapidez. Os cacos coletados eram prontamente jogados numa área localizada lateralmente à sala, isolada e que parecia existir só para acomodar objetos sem valor – cadernos velhos, pedaços de giz, revistas vencidas, etc – e aqueles restos de garrafas destruídas – sem o consentimento do dono da cantina! – eram ali postos sempre antes de iniciar a aula que se seguia ao tempo livre de cada recreio alegre findo.

Quando o 'voleibol' com garrafas não acontecia, sempre aparecia uma lata vazia para ser chutada na área externa à sala daquela Quarta 'B', no corredor que alinhava em cada um de seus lados todas as salas de aulas que perfaziam o andar térreo do Colégio Odorico Castelo Branco ou simplesmente Castelo. Esta diversão sempre culminava com a peleja futebolística alcançando à saída comum do estabelecimento, junto à sala da diretoria. Muitas e muitas vezes a lata era chutada e acompanhada simultaneamente de zoada e algazarra dos alunos afeitos àquela bandalheira escolar sadia à luz dos brincalhões adolescentes. Os chutes na lata velha aconteciam dinamicamente para frente e para trás ao longo do corredor do colégio carreando uma procissão de jovens. Nela cada aluno se passava por 'jogador de futebol', só terminando aquele jogo em que 'atleta' e 'torcida' se misturavam com a lata muito deformada, após ser atingido o recinto dos dirigentes intolerantes daquela escola, ocasião em que surgia o diretor, Pe. Miguel, para reter o metal arredondado e amassado dos pontapés dos 'craques' barulhentos. Aquele senhor imediatamente passava a procurar os responsáveis por aquele 'futebol', 'esporte' que jamais fora permitido no ambiente interno do Castelo, exceto na quadra esportiva destinada para tal prática com pelota de verdade, o que acontecia costumeiramente depois das aulas semanais de Educação Física.

Naturalmente a investigação convergia para a classe dos grandalhões (ou crianças adolescentes de dimensões corpóreas avantajadas, em sua maioria com alturas superiores a um metro e setenta centímetros, apesar da maioria das idades ser de apenas quinze anos!). Descoberta ali a gênesis da brincadeira, o vigário pedagogo presenteava à turma indisciplinada uma suspensão escolar de até cinco dias úteis, sobre o que os alunos nunca reclamavam por uma redução do total de dias impostos longe das atividades escolares; e, ao contrário, aproveitavam aquelas férias antecipadas para aprofundar o ócio de suas vidas, alguns para incrementar o lazer, onde a opção mais acessível era desfrutar das praias alencarinas belas e ensolaradas. Uma semana de silêncio voltava então a reinar no Castelo, talvez um protesto evidente pela vacância da criatividade esportiva dos adolescentes bem crescidinhos da saudosa Quarta 'B' naquela ambiência juvenil! Sim, fora assim durante os dois semestres letivos de mil novecentos e sessenta e oito.

Infelizmente tudo passa e o ciclo de diversões se encerrou com a chegada do Curso Colegial, no ano seguinte, momento em que muitos dos integrantes daqueles teams de 'voleibol' e 'futebol' deixaram o Castelo, todavia alguns 'atletas' marcaram para sempre suas presenças naquele inesquecível 1968: Arízio Cândido, Geraldo, Luciano, Miguel, Oswaldo, Osvaldo, Sérgio, Sebastião, Mucuim e outros ainda não recuperados na memória cansada deste contista.

Salvador, 2006.

Conto publicado na obra do autor A caçada matinal e outros contos (2006, p. 83-85).

Oswaldo Francisco Martins
Enviado por Oswaldo Francisco Martins em 19/03/2016
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