O presente hilariante
Dois irmãos levados da breca moravam numa rua que tinha um ponto de ônibus junto à casa em que residiam. Pessoas anônimas chegavam ali e aguardavam pelo veículo certo que sempre as atendia por um esticar simples do braço direito na direção do centro daquela passagem de veículos. Da janela frontal da casa das crianças traquinas se podia ver cada pessoa chegar, esperar e tomar o coletivo desejado em qualquer dia da semana.
Nascera uma brincadeira alegre sobre aquele cenário comum de espera e apanha de condução, a qual fora muitas e muitas vezes partilhada por aquelas crianças criativas. Para tanto, eles se utilizavam de caixas de sapatos vazias que preenchiam com pedras pequenas enroladas em pedaços de folhas de jornal. Em seguida, em estado de risos, envolviam–na em papel de presente bonito. Finalmente, com cuidado e no momento seguro em que pessoa alguma estava presente na parada de ônibus, expunham a caixa primorosamente embalada sobre o muro baixo da casa vizinha àquela em que moravam. Naquele momento os meninos risonhos passavam a aguardar ansiosamente pelo primeiro indivíduo chegar para esperar e tomar o seu coletivo, o que nunca demorava. De repente, uma pessoa em pé naquele local acompanhado... Não se demorou para perceber o presente supostamente esquecido e aparentemente por quem já devia ter apanhado o ônibus. No enganado transparecia a preocupação com a possibilidade do verdadeiro dono do embrulho retornar àquele local para buscá–lo que, com a demora de seu ônibus, mostrava–se ansioso pelo movimento de seu rosto olhando para todos os lados com impaciência acentuada, afogado em um possível estado de stress ou de emoção alterada pelo achado fortuito e inesperado. E com o ônibus visualmente identificado, com sutileza, rapidez e desfaçatez perceptível, o desconhecido observado se apoderava daquela suposta dádiva do Criador e partia para o seu destino objetivado, deixando os dois moleques, então transformados em espiões às brechas da janela da casa, em gargalhadas divertidas pela peça bem plantada.
Salvador, 2006.
Conto publicado na obra do autor A caçada matinal e outros contos (2006, p. 151-152).