Maria ... Maria
O nome dela não era Maria, mas era assim que se sentia. E doía!
“Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta...”
A magia de sentir, sempre, quando algo ruim estava para acontecer. A magia de se reinventar à cada dia como forma de sobrevivência. A magia de ainda estar viva.
A força que faz com que a luta diária seja travada somente em seu íntimo, nunca, jamais, perante os outros. Um ser que se cala, omitindo quem é realmente e o que sente.
“Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta”
Viver? Vida? Seria vida o que acontecia diariamente em sua vida, ou não acontecia. Amar? Merecia sim, mas isso não acontecia. Havia um vazio imenso. Um vazio que vivenciava desde o primeiro suspiro. Um vazio que morreria com ela.
“Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta”
Doses homeopáticas, lentas como o veneno digerido dia após dia. O veneno da vida sem cor, sem alegria, sem .... vida!
Ria, ria muito. Era considerada uma pessoa alegre, de riso fácil e gargalhadas estridentes. Mas o riso não representava o que realmente habitava o seu íntimo. Doía. O vazio, a melancolia, a sensação do nada que existia por dentro.
Viver a vida. Expressão estranha! Viver é suportar as vicissitudes da vida, sentir fortemente a dor de não ser feliz, de nunca ter sido feliz e de saber que jamais o seria. Sim, ela sempre soube.
“Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre”
E ela tinha tudo isso e muito mais, pois havia a hipocrisia de fingir que tudo era ótimo. E estava ali para o que precisassem. Um fantoche sem vida, mas que ajudava os demais a viverem. Era uma fortaleza para lidar com os problemas do dia a dia, os práticos, pois os emocionais ... ah, os problemas emocionais doíam dia e noite.
“Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria”
Era tão difícil distinguir a linha tênue que separava a dor da alegria. Quando só, chorava. A dor. A imensa dor. Mas quando haviam outros por perto, a máscara da alegria era colocada e ria. Foi uma criança engraçada, uma adolescente divertida, uma jovem espirituosa, de humor sarcástico e fino. Adulta, chegava ao cinismo extremo. O cinismo de olhar o mundo com desprezo. Sabia que não era a única Maria na Terra.
Havia o tempo do riso nervoso, do tremor nos lábios que riam, no coração acelerado e angustiado que fazia piadas.
“Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida”
Sonhava? Claro! Ela sonhava que um dia tudo aquilo acabaria, a dor, e seria feliz. Mas cada possibilidade de sonho se transformava rapidamente em um terrível pesadelo. A dor somente aumentava. Mas tinha fé na vida. Pelo menos acreditava que um dia, ao morrer, poderia encontrar algo que faria a dor acabar. E, mentira, haviam ilusões sim. Mas o tempo ... ah, o tempo ... fez-lhe ver que não passavam de ilusões, fantasias, sonhos inférteis.
O tempo passou, passou, passou. Por quê? Porque o tempo não para!
E nada mudou!
Até que um dia .... ”morreu na contramão atrapalhando o tráfego”
Emar Vigneron Azevedo – 13 de março de 2016 – 22:30 horas
Maria, Maria - música de Milton Nascimento e Fernando Brant