CAPÔ DE FUSCA

 

Depois de mais ou menos quinze anos, a turma da época de faculdade resolveu se reunir num bar ali da rua 1008 do Setor Pedro Ludovico, para relembrar os tempos de irresponsabilidade. Eram  muitos, todos eles cuecas: o Esquistio, o Fumaça, o Ninja, o Daniel San, o Yoda, o Cotonete, o Palito, o Chefinho, o Marmita, o Krumaré, o Coca Litro, o Bola e o Paulo Cabeção.  Todos fizeram cursos diferentes, mas a maior parte era do ICHL, o Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Goiás. À época se reuniam praticamente todos os dias para enfumaçar o Bosque Saint-Hilaire, que ficava entre o ICHL e o prédio da Biblioteca Central. Exceto o Cabeção, que era alérgico a fumaça e além do mais morava em Trindade sozinho com a mãe, e que por isso sempre tinha que voltar para a casa mais cedo, quase sempre quando o Fumaça, da Filosofia, aparecia com "as" paradas. Ele dizia:
_ Foi mal pessoal, sacumé, tem minha mãe e tenho que pegar o ônibus do interior.
O interior, no caso, era a conurbada Trindade, dista a menos de 20 Km de Goiânia. Mas ele era o Cabeção! O cara mais chato e  mais doente do mundo! Mas era um amigo, até que provem o contrário. Então, depois de quinze 
anos essa fina flor resolveu se reunir, para relembrar as coisas que aconteceram ou nunca aconteceram. Beberam, beberam, comeram uma "panelinha" e muito torresmo, e beberam até enxugar toda a cerveja do bar. Ficaram bêbados, e por isso chegaram naquela fase fatídica desse tipo de reunião, que é a fase de contar piadas, que é a que antecede a da "confissão" e da sinceridade. Contavam as piadas mais desbocadas e preconceitusas, e riam desbragamente, mesmo quando a danada era sem nenhuma graça. Riam e riam até dar dor entre a orelha e o queixo. Mas, como é comum nesse tipo de evento, em determinado momento, não se sabe se pelo excesso de riso ou de cachaça, surgiu um branco, um momento em que se ouvia os grilos, o silêncio, em que ninguém ria e nem contava outra piada para manter o ritmo. Então alguém levantou a mão, era justamente o Cabeção, o cara da Cidade Santa do Divino Pai Eterno. Levantando a mão todo entusiasmado! Os demais perceberam, mas fingiram que não tinha visto. Uma vez que o Paulo Cabeção talvez fosse o cara mais sem graça que surgiu depois de Adão e Eva. E ele:
_ Eu! Eu!
Então condenscenderam, mais por caridade do que por qualquer outra coisa!
_ Vai Paulo, conta sua piada!
_ Vou contar, ela é a piada mais engraçada que já existiu e aposto que vocês nunca ouviram. Só que tem um negócio, ela é muuuuuito cabeluda!
_ Cooonta Paulo a danada da cabeluda!
Ordenaram completamente desanimados, mesmo com a promessa implícita na palavra "cabeluda.  Mas era o Paulo. Então ele contou, cheio de rodeios, digressões e reflexões teóricas. E a piada era sempre interrompida por suas próprias risadas antecipadas, como se constantemente dissesse que era obrigatório o riso, já que era a piada mais engraçada que já existiu! Então ele terminou de contar tintin por tintin. A piada era algo que envolvia um "mineirim" e um Fusca, a qual todo mundo já conhecia desde a quinta série do fundamental. Ele contou, mas ninguém riu. Foi aquele silêncio, como se esparassem que ele terminasse a piada. Mas ela já tinha acabado.
_ Qualé! Pessoal. Vocês não entenderam a piada.
Permaneceu o silêncio tumular. Ficou todo mundo olhando um para o outro. Então o Yoda, o japonês baixinho da Física, que as meninas das Humanas achavam o mais bonitinho das outras áreas, disse:
_ Calma Cabeção! Todo mundo entendeu! O que a gente não entendeu é o porque dessa piada ser considerada cabeluda... Acho que é porque o cabelo está no capô do Fusca do mineirinho...
Então foi aquela risaiada desabrida. Derrubando cadeira, mesa, copos e garrafas. Mas o Cabeção não entendeu: como um capô de Fusca pode ser cabeludo e isso possa ser considerado engraçado...
_ Qualé, galera - só ele falava "galera" - a piada é engraçada, tem Fusca, mas não tem nada haver com capô de fusca...
E o Yoda:
_ Então é uma piada depilada?
Aí então quase morreram de rir, e devido ao clima pediram mais quatro cervejas e uma rodada de tequila, só para terminar a perda de noção. E  o coitado do Cabeção sem entender e meio emburrado, pois começava a desconfiar que eles riam dele e não da piada. Então se levantou para ir embora, pretextando que tinha que pegar o último ônibus e ainda morava com a mãe, que não dormia quando estava preocupada com ele. É dispensável dizer que disso também riram. O Yoda, o gostosinho das meninas das Humanas, partiu para o autossacrifício, fazendo uma charada que lhe cortava a própria carne.
_ Senta aí Cabeção, vou fazer uma charada. Qual é o cruzamento de uma pessoa japonesa com uma árabe?
A pergunta, pela sacanagem implícita, atingia o própio Yoda e o Chefinho, que era descendente de sírios lá da rua 4. Todas deram sinal de que não sabiam, exceto o Cabeção que não entendeu nem à pergunta. Então o Yoda respondeu:
_ Se for menino, é um terrorista de pinto pequeno e se menina uma Sashimi de carne de camelo!
Todos riram, exceto o Cabeção. Que levantou para pegar o busão até Trindade.


Goiânia, 13 de março de 2016.