Dever cumprido
- Ei menino, posso me sentado aqui um instante?
[..]
Eu acordei mais cedo que o comum naquele sábado, e como não era de costume, me deu uma enorme vontade de passear pela cidade, então coloquei meus tênis, peguei os fones de ouvido e sai sem rumo com as mãos nos bolsos. Parei em um parque que ficava a um quarteirão da minha casa e que eu não ia desde pequena, desliguei a musica no meu celular e passei a admirar o verde das árvores, o ar puro, o canto dos pássaros... Um amigo diria que eu estava meditando de olhos abertos, quando uma figura interrompeu a paz local.
Eu não via meninos chorando com frequência, então aquele garoto alto e com corpo atlético correndo até debaixo de uma árvore e mergulhando em um choro alto, me impressionou. Me levantei e fui andando calmamente até lá, um casal de idosos também se espantou com o choro desenfreado e acompanhou com os olhos o meu trajeto, a senhora sorriu para mim como se me encorajasse a dar mais um passo em direção ao estranho.
Quando cheguei perto o suficiente, ele se assustou e recuou quando eu disse "Olá", perguntei se podia me sentar e ja me sentei ao seu lado, ele me encarava com um desejo nítido de perguntar o que eu queria enquanto enxugava suas lagrimas, dei um leve sorriso e perguntei:
- Ela quem terminou?
Ele me olhou como se refletisse se deveria responder, engoliu um soluço e disse:
- Ela me trocou
Suspirei compartilhando da sua dor e apontei uma árvore totalmente sem folha ao fundo do parque e comecei a falar:
- Olha menino, você agora está como aquela árvore, triste, desprotegido, sem oferecer fruto ou sombra a ninguém. Suas folhas te deixaram, elas não vão mais voltar, mas outras virão, e você precisa estar preparado para recebê-las, pois se deixar o caule apodrecer, folha nenhuma vai crescer, muito menos uma flor aparecer.
O menino me olhou, as lagrimas secas em volta dos seus olhos, me levantei e fui limpando a grama da minha roupa quando ele segurou minha mão e com os olhos brilhantes disse com a voz embargada:
- Você é um anjo, eu entrei nesse parque desejando me jogar no lago, e agora saio daqui com a alma mais leve e outras idéias na mente... Mesmo sem saber quem é você, obrigado!
Eu sorri da melhor maneira possível, me despedi e sai andando, liguei a musica novamente e fui pra casa. Antes de dormir eu me pus a pensar no menino do parque e no que ele falou.
"Agora que sei ter ajudado verdadeiramente uma pessoa, posso aproveitar os últimos minutos das vinte e quatro horas de vida que o médico me deu, posso fechar os olhos e mergulhar em uma meditação eterna com uma sensação de dever cumprido."
E com um sorriso no rosto, fechei meus olhos.