A Anti Cinderela
Eric do Vale
Cecília estava certa de que aquelas rosas que haviam lhe sido entregues, naquela manhã, só podia ser de um único remetente: João Silvério. Tal convicção foi confirmada, no momento em que ela abriu o cartão que veio junto com as flores. Lisonjeada, Cecília telefonou-lhe para agradecer.
-Espero que tenha gostado. _ Falou João Silvério.
-Você, sempre muito romântico. Esse é o terceiro buquê que eu recebo, só nessa semana.
- Quer dizer que eu tenho um concorrente?
-Que nada.
-Você gostaria de vir aqui em casa, hoje à noite?
Diante daquela proposta, Cecília não teve como recusar.
Antes de serem colegas de faculdade, eles já se conheciam nos tempos de colégio. Depois que se formaram, nunca mais se viram. O reencontro dos dois aconteceu meio que por acaso, quando o carro dele bateu no dela.
Ao tirar satisfação com ele, Cecília o reconheceu imediatamente. Após os cumprimentos, João Silvério a convidou para almoçar e Cecília, obviamente, aceitou. Cada um falou de si: João Silvério juiz e, há pouco tempo, tinha sido nomeado desembargador. Cecília jamais advogou, embora tivesse se formado e passado na OAB. Quanto a vida sentimental, João Silvério dizia-se um celibatário.
-Eu fui casada duas vezes. _ Disse Cecília. - Atualmente, estou separada.
-Se não me falha a memória, você foi casada com o Artur, nosso colega de faculdade.
-Exato. Fomos casados por cinco anos. Depois, casei-me novamente, mas não fui muito feliz nesse segundo casamento.
Depois de comerem, cada um pegou o contato do outro e João Silvério combinou de se falarem, à noite e finalizou:
-Vou acertar com você o concerto do carro. Faço questão de pagar.
Ele cumpriu com o que prometeu.
As ligações tornaram-se frequentes, assim como as saídas para os bares e restaurantes. João Silvério fazia questão de apanhá-la e deixá-la na casa dela.
Cecília não pensou duas vezes em ir jantar na casa de João Silvério: foi ao salão, fez as unhas e o cabelo. Usando o seu melhor vestido, ela o esperou na portaria do prédio e quando avistou a estrela do Mercedes -Bens chegando, ficou de guarda. Ele foi busca-la no portão e a conduziu até o seu carro.
Ao entrarem naquele luxuoso apartamento com vista para o mar, João Silvério falou:
-Rita, chegamos.
-Rita?
-É a minha esposa.
Cecília não entendeu nada e Rita apareceu.
-Querida, você se lembra da Cecília? _ Perguntou João Silvério.
-Vagamente.
-Veja como são as coisas: eu bati o meu carro no dela e ela, logo, me reconheceu.
-João Silvério, você havia me dito que não era casado. _ Falou Cecília.
-Eu menti.
-Por quê?
- Aquela batida foi proposital. Lembra-se dos tempos de escola? Se naquela época, eu tivesse morrido, não faria diferença para você. Está lembrada de que quando éramos universitários? Eu, nesse período, trabalhava como taxista e sempre que te oferecia uma carona, você se recusava de tal maneira, preferindo os carrões daqueles filhinhos de papai. Dentre os quais, aquele que foi o seu primeiro marido. Esse, por sinal não passava de um falso rico. Depois, você se casou com um vigarista, viciado em jogo que foi capaz de apostar o apartamento, onde vocês moravam. Pensa que eu não fiquei sabendo disso? A Rita, minha esposa, era filha de uma faxineira do colégio e estudou com muito sacrifício até ser aprovada em medicina. Ela, na época de escola, sempre foi apaixonada por mim, mas eu, até então, não sabia. Éramos universitários, quando começamos a namorar. E agora, estamos aqui. Engraçado, não é?