O que não sai de nós
Eu ainda me lembro do Marcelo, o amigo que nunca tive. Era baixo, falava pouco e gesticulava em seus raros diálogos.
Um dia Marcelo decidiu fugir de sua sombra. Esperou o sol ficar bem forte, parou numa esquina e lá ela apareceu.
Primeiro meio deformada, como as sombras; depois cinzas, também como as sombras. Contou até três, começou a correr, com uma velocidade descomunal.
Virou ruas, passou por ponte e viadutos, até que atravessou numa faixa, sinal vermelho.
O carro arremessou seu corpo por quinze metros. Fecharam o trânsito, chegou ambulância, polícia, ambulante e batedores de foto.
Tiraram o corpo depois de um tempo.
No chão, ficou a carteira, de onde tirei uma foto do morto com boca quieta, mas gesticulando. Atrás, o nome: Marcelo – JAN83.
No chão, ainda, ficou uma grossa marca de sangue, como uma sombra que não desiste.