O VELHO DO RIO

Nos tempos dos ancestrais, quando o mundo não estava bagunçado, de longe podia se ouvir o velho assobiar cansado. Trazia peixe e a poronga, na boca um cigarro de lado, a fumaça espantava mosquitos e o cheiro nos agradava. A garotada corria, a benção ia tomar, suado, todo molhado, o velho ia abraçar cada neto com carinho, e dona Maria olhava acolá.

Deixa o véio meninada! Ele precisa descansar.

Dona Maria mexe na lenha e fala com ar de preocupada: fogo ta preparado, pra modo um peixe assar, o café ta passadinho, só to esperando a banana assar.

O velho com jeito meigo, vendo tanto cuidado, responde de um sopro só: Mais um cigarro pra tirar a preguiça e vou banhar pra modo a gente conversar.

Dona Maria era só alegria, amor de rio, amor de mar.

Na cabeça um chapéu de palha, envelhecido pelo tempo de quem aprendeu a obedecer o ensinamento das águas, da terra e mata, burlando o contra tempo. Tira o chapéu pra se abanar, olhando o firmamento, como quem pensa no amanhã sem muita preocupação, porque sabe que de sua vida depende uma geração.

O velho chama as crianças lá pra beira do rio, vendo ele correr sem pressa, olha para um filho e diz: o homem é como um rio precisa sempre se renovar. Aprender com a natureza, obedecer o tempo que ela nos dá, para vivermos em sua deprendência temos que aprender a respeitar.

A noite cai, a lua começa a brilhar, a janta já está na mesa, tem estrelas a iluminar, o barulho da bicharada vai parando devagar. O canto do sapo se acentua, a coruja começa a cantar, dona Maria apaga a lamparina e diz: vem criançada! Ta na hora de deitar. Lá pelas tantas um assobio, assuatada a criança começa a chorar, o velho diz baixinho: a matinta quer jantar.

Dona Maria levanta ligeiro pega a comida na panela, põe no prato bem distante e fica olhando da janela, espera pra ver a matinta mas nem sinal da moça donzela, volta a dormir e o assobio parece mais forte, abraça as crianças, que adormecem pra sonhar.

Chega o dia e lá vai o velho pra roça capinar, arrancar macaxeira pra comer com cará. Sua casa é perto das águas, sua roça na capoeira. Esse velho conhece os seres encantados, já visitou boto rosa, conversou com a mãe d'água, aconselhou a caipora, por isso é um sábio, velho do rio, lendário, contador de historia, em cada remada um mergulho na memória.

Márcia Wayna Kambeba
Enviado por Márcia Wayna Kambeba em 23/02/2016
Código do texto: T5552504
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.