O ANJO E A SANTINHA

 


 
O menino, o João Neto, o terceiro de 5 irmãos de meninas e meninos, nasceu muito esmilinguido, ao contrário dos outros que eram verdadeiros tocos. Vivia no caminho entre o hospital e sua casa. Graças a consultas e exames feitos em Goiânia descobriram que seu problema era a hidrocefalia. Lá na capital lhe colocaram um dreno na cabeça e disseram que possivelmente nunca andaria. No desespero do sem saber o que fazer para corrigir aquele deslize da natureza com o pobre João Neto, apelaram para o transcendente. Fizeram então promessa para a Santinha Menina lá da Lapinha do Ribeirão Ribeirãozinho, lá nas bandas do Rio Santana. E encomendaram rezas com Dona Alexandra Mendes, a procuradora da Santinha. A mulher que tinha sonhado o mártirio da menina santa e encontrado suas relíquias no exato lugar indicado pelos anjos durante seu estado onírico. Os procedimentos médicos e místicos pareceram surtir efeito. Só não sabiam se foi por intercessão dos médicos ou da Santinha Menina martirizada. A cabeça do pobre Joãozinho - quanto mais doente mais inho ele ficou - a olhos vistos tinha diminuído. Talvez até pudesse começar a andar, dando conta de se carregar nas frágeis pernas. O dreno até começara a vazar menos água. Por isso, ou por obrigação moral, tinha chegado a hora de fazer a paga para a Santinha. Os médicos tinham sido pagos à vista. Tratava-se de ir até a Lapinha acender velas para seus cabelos e ossos guardados em um relicário bem pobrezinho. Também beber da água que virava pedra quando jorrava da rocha e caia na lapa que avançava sobre o leito do ribeirão Ribeirãozinho. Ainda olhar rezando aves-marias e padre-nossos pelo buraco dos morcegos, por onde podia-se vislumbrar o vulto da santa menina.  E, principalmente, depositar os ex-votos, em espécie e em dinheiro, aos cuidados da procuradora Alexandra Mendes. Assim foi toda a família, o casal e os cinco filhos a bordo de um Jeep cor de bosta de vaca em direção à região Santana.  Foram pela estrada de chão por 23 quiilômetros. Chegando na ladeira que desce rumo á ribanceira do Rio Santana, na ponte de madeira do Gabrielão, na fazenda do Sr. Gabriel Ribeiro, a estrada e a ponte estavam sob forte e densa cerração. A ponte sumira durante a neblina matutina típica do meio do ano, época da Novena da Santinha. Faróis acesos e tateantes... Mas o Jeep não viu a ponte e resolveu cair no rio, de uma altura de quase sete metros.  Todos saíram ilesos, com poucos arranhões e encharcados, até as crianças menores que Joãozinho que estavam nos colos dos irmãos mais velhos. Exceto Joãozinho que estava no banco de passageiros da frente, no colo da mãe. Ele morreu ali mesmo, dentro do rio, entre destroços de ossos, entre afogado e esmagado.
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Todos sofreram muito, principalmente a mãe que não conseguiu protegê-lo, assim ela pensava, embora todos dissessem o contrário tentando conformá-la com a fatalidade do ocorrido. Apesar das cicatrizes invisíveis, com o tempo todos se conformaram. Pois o que está escrito torto não se apaga nem se corrige. Um dia a mãe sonhou uma lembrança. Na hora em que cairam pelo precipício da ponte, um anjo tinha lhe aparecido e retirado o Joãozinho de seus braços. E teria lhe dito: "Vocês tinham o direito de tentar, mas o plano para esse menino é outro. Esse corpo é um erro. Ele é nosso. Depois eu te lembro isso em sonho. Você não teve culpa, nem seu marido que estava dirigindo o carro. Vocês foram só instrumentos para o que tinha de acontecer". O sonho dessa lembrança foi uma epifania. Suzana, a mãe, se sentiu sublime. Agora estava explicada a sina daquela criança,  escrita desde quando ela tinha nascido.
Passado um ano, nos exatos dia e mês do ocorrido no ano anterior, tinha chegado a ocasião de ir até a Lapinha para conclusão da promessa. Estavam aliviados, até felizes apesar das cicatrizes, até mesmo se sentido como uma família especial, escolhida e acolhida pelos anjos. Principalmente a mãe, por ter sido selecionada entre tantas para a concepção de um Anjo. O pai também, mas ele tinha feito uma promessa supostamente mais pragmática: de que nunca mais iria comprar um Jeep. Comprou uma camionete, com carroceria de lona preta para poder ali transportar os quatro filhos sobreviventes, sobre colchões ali colocados para seu maior conforto. Indo de novo para a Lapinha chegaram então até a ponte de madeira do Gabrielão. Não havia cerração. Tudo parecia se confirmar. Aquela cerração da outra 
viagem tinha um propósito que eles não tinham como saber. Ao passar pela ponte, a mãe fez um sinal da cruz ainda olhando a cruz fixada na cabeça da ponte. Então disse, assim meio para dentro, para consumo próprio:
_Nos protejam Minha Senhora da Abadia, minha Santinha Menina e todos os Anjos do firmamento! Protejam também essa Ponte dos Anjos, que nenhuma enchente a leve! 
A ponte do Gabrielão criou asas pelas penas do anjo que dali foi levado para seu lugar devido. Era a Ponte dos Anjos!  Ao chegar na Lapinha do Ribeirão Ribeirãozinho, olharam as relíquias da Santinha Menina. Ao seu lado estava depositada uma imagem em gesso representando um anjo cabeçudo, o que foi providenciado pela própria Dona Alexandra. Era o Anjo Joãozinho com suas asinhas todas estropiadas pela queda da ponte. Tudo arranjado de modo a sugerir um namoro eterno entre o Anjo e a Santinha. A mãe soltou uma lágrima... De suprema felicidade, pois tinha descoberto como era difícil e sofrido o parto de um anjo. Era como achar uma chave que abre todas as portas. Ela era uma mãe angelical.
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As pessoas são belas, mesmo que não se acredite nelas!