O rio comia gente (2)
Zita e Conceição se encontram na festa. Domingo de manhã, depois da missa. A briga antiga por um namorado já estava esquecida. Amigas outra vez? Claro. Para sempre.
As barraquinhas armadas no Largo da Matriz. O dia bonito cheira à chuva da madrugada. Os rapazes passam e admiram os dois brotos conversando, andando de mãos dadas. Zita loura e Conceição morena clara. Zita tem uma ideia: pedir a um conhecido que lhe compre aguardente. O rapaz compra e ela mistura ao refresco de limão. Tomam um copo de uma vez e começam a rir.
- Depois da festa a gente vai pra Velho da Taipa. Tem muita gente lá. Tomar banho no rio.
O calor do meio-dia vai jogar todo mundo na água. Nós também. Zita concorda. Ainda mais depois da caminhada. Quatro quilômetros pela linha do trem.
- Quero fazer dezoito anos logo.
- Pra que?
- Morar com meu irmão no Rio de Janeiro. Lá vou conhecer um homem de boné e roupa branca. Vou casar com ele. Vi no sonho.
- Ah...
No caminho, param no Olho d'Água. Jogam água gelada uma na outra, se ensopam, os bicos dos seios se eriçam. Riem sem parar. Tomam o resto do refresco com aguardente e enchem de água o cantil. Outro acesso de riso. Pegam o trilho de novo, o rio está perto.
Lá vem seu Epifânio, caminhando pela linha do trem.
- Aonde é que os brotos vão?
- Vamos entrar de mãos dadas no rio.
Seu Epifânio só ri. E pensa: Essa moçada não tem nada na cabeça. Que despautério!
O rio está esperando. Essas ideias vão pelo vento, ele sabe captá-las.
Do alto avistam o monstro. Está à cunha, silencioso, predador, paciente, esperando.
Zita e Conceição estão suadas, vão direto ao Areão, atiram os sapatos para o alto, entram de mãos dadas, rindo sempre.
O rio dá o bote, separa as duas mocinhas.
- Cuido primeiro de Conceição, mais franzininha. Depois pego a outra.
Um homem salta do Pontilhão, agarra Zita pelos cabelos, leva-a para a margem. Os banhistas correm para socorrê-la. O homem volta desesperadamente para o rio, o rio o encara, aqui quem manda sou eu,
Conceição já se afundou, o homem há de pagar pela menina loura que roubou. E paga.
No meio da tarde, o alvoroço. Duas mortes num mesmo dia. Zita não para de chorar, mãos no rosto, cabeça baixa, até o pai vir busca-la. Daí uns dias, o irmão mais velho vem do Rio de Janeiro e a leva para sempre. O homem de boné e roupa branca, de olhos azuis-marinhos, esperava em Copacabana.
Seu Mário, o mergulhador, entra no rio várias vezes, não encontra os corpos.
- Capaz de aparecer só amanhã de tarde no Sacramento. A correnteza tá muito forte.
O monstro contabiliza duas vitórias no dia, papo cheio, já pensa no domingo seguinte. O calor sempre traz mais presas.