Em algum lugar do passado

Era uma cidade pequena e melancólica, onde a ternura e a ingenuidade parecia andarem juntas. Era simplesmente mais uma tediosa perdida entre cerrados e pequenas serras. Lá tudo era mágico, a rua central ainda conservava casarões do começo do século, o vai e vem dos carros de bois fazendo parte daquele bucólico cenário paradisíaco. Tudo gira em torno da praça central e da velha estação de trem que leva e traz pessoas do sertão. Seis horas da tarde... .Os sinos tocam conclamando os fiéis para mais uma novena. Enfim, todos conheciam todos: o prefeito recebia seus súditos em sua luxuosa casa; o padre , na visão de muitos , era um santo e por onde passava, um séquito de crianças o seguia, ele parava para algum pivete tomar-lhe e beijar-lhe a mão.

Mesmo que cidade tivesse certo ar angelical, sempre havia que fugia aos padrões convencionais e caía na boca do povo e era alvo de vis comentários da multidão curiosa e ociosa que adorava ver aquelas pessoas esquisitas e sublimes: elas, na minha imaginação de moleque maroto, eram simplesmente pessoas MARAVILHOSAS.

Lembro-me de Bileca, ruiva com brincos enormes, calça amarela boca de sino, umbigo de fora, fumando Minister sem filtro e com um rebolado fenomenal. Fátima “pouca roupa” para muitos era o próprio diabo encarnado, pois o seu apelido já diz tudo, ela andava pelas ruas descalça, com minissaias sem as peças intimas. Os caminhões de pau de arara, em coro quase que ensaiados, gritava pouca roupa, pouca roupa, e ela, sarcástica e vanguardista, acenava seu lencinho vermelho e atirava beijos pelo ar. Outro tipo marcante era o Tonhão, um mendigo que tinha uma ferida dantesca na perna, mas que contava estórias e histórias fantásticas. Ele, para muitos gerava pavor, mas para mim era o mágico de Oz que partiu em uma carruagem de fogo numa fria tarde de inverno.

Ainda lembro-me nitidamente de Dona Calú, aquela benzedeira mística que morava em uma casa de pau a pique entre os cerrados e que tinha remédios caseiros para todos os males. Mesmo que eu a admirasse, tinha certo medo dela, pois me obrigou a tomar mastruz com leite e passei uma manhã pondo “bichas” no meio do bananal. Ah! São tantos os tipos que marcaram minha infância que jamais esquecerei.

Passados muitos anos, mais muitos anos mesmos, eu retornei a esse lugar, e tudo parecia o mesmo. Confesso que chorei ao ver muitos dos meus heróis repousando no campo santo perto do riacho doce, mas ao mesmo tempo fiquei feliz, pois enquanto eu existir, eles continuarão vivos em minha mente e coração.

Antonio Magnani
Enviado por Antonio Magnani em 19/02/2016
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