Vida e morte de Roberta

Aquela foi uma manhã terrível para todos que jaziam naquela casa, se bem que os indícios de que aquilo ocorreria era já há muito tempo dados. Na verdade, foram duas manhãs que ficaram marcadas na história daquela família. Mas aqui destacarei apenas a primeira delas.

Era uma manhã fria e chuvosa, aquele dia em que Roberta fora encontrada rija, em sua cama, por sua mãe que já cansada de chamá-la para o café da manhã, batendo na porta de seu quarto, já por volta das dez horas, decidira invadir aquele âmbito. Batera muito à porta antes, mas voz não saía dali de dentro. Depois houve uma grande lamentação, como podes supor.

As irmãs não se conformavam com a partida inesperada de Roberta que, mesmo tão calada principalmente nos últimos meses, era o xodó das duas irmãs mais novas. O pai não havia dormido em casa naquela noite, se bem que antes de sair para uma viagem não muito distante resolvera visitar a filha em seu quarto, o que rotineiramente fazia antes de viajar, ou mesmo em certas noites sem que a filha o esperasse. Ele, o pai, chegara dias após o enterro. Disse que não havia condução para chegar a tempo de acompanhar o velório da filha, daquela que parecia às demais a mais querida de todas.

Roberta era uma moça taciturna, olhar longínquo, pele pálida e muito magra para aquela altura que chegava a um metro e oitenta centímetros. Não possuía amigas, nem amigos. Sua companhia e diversão eram alguns livros que se amontoavam em seu quarto escuro herdado ainda dos anos que frequentara o colégio. Há poucos meses havia completado dezoito anos. Em cima da sua escrivaninha, um diário já bastante velho que ganhara da mãe. Nele costumava registrar alguns textos os quais ninguém nunca soubera decifrar mais tarde, até porque era de seu costume rabiscar seus escritos dias após.

Meses se passaram e muito se questionava na pequena cidade sobre aquela atitude tão insensata de Roberta. No entanto, sempre diante da família, evitavam-se comentários sobre aquele assunto doloroso, já que fazia a mãe relembrar e chorar pela filha perdida.

Cerca de dois anos depois, um fato veio à tona, levando a desvendar o motivo pelo qual Roberta tomara aquela atitude desastrosa, ou seja, tomar aquele veneno que jazia escondido em seu quarto desde alguns anos, mas que ainda não havia tido coragem o suficiente para ingeri-lo.

Roberta decidiu por aquele ato após muitos anos de sofrimento interior, após se ver já num beco sem saída, como diriam o linguajar comum. As características dessa moça denunciavam um sofrimento intenso, porém ninguém conseguia descobrir as causas daquele comportamento esquivo, nem mesmo sua mãe sabia o porquê.

Muitas garotas da sua idade, naquele bairro onde moravam, divertiam-se, festejavam, outras já se encontravam de namoro, enquanto Roberta se afundava cada vez mais em seu mundo escuro.

Um ano depois, em mesma situação, o pai de Roberta foi encontrado, quer dizer, amanhecera caído ao lado de sua cama, e sobre o seu peito uma carta de despedida. Naquela carta, pedidos de perdão a Deus, ao mundo, à família, a todos pela morte daquela filha.

Nela estava escrito, em minuciosos detalhes a causa da morte da filha. Era ele o responsável pela desgraça naquele lar; ali estava escrito o motivo que levara Roberta, aquela filha que, na verdade, começara a morrer muito antes daquele dia em que a mãe a encontrara naquela cama fria. Os abusos, a violação do seu corpo, haviam começado ainda na infância. Foi mais um duro golpe para todos.

Daniel Pereira S
Enviado por Daniel Pereira S em 08/02/2016
Reeditado em 14/02/2016
Código do texto: T5536811
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