CRÍTICAS E SUGESTÕES (INFELIZES)

Seja você pessoa bem sucedida ou não, tenha boas ou más atitudes, atividade notória ou obscura, seja você quem for, de um extremo ao outro, em qualquer condição, sempre terá críticos de plantão, além de não conseguir se furtar a ouvir as mais disparatadas sugestões sobre tudo e todos. O pior, é que tais críticas ou sugestões, vêm sempre dos mais controversos ou destrambelhados indivíduos, que insistem em cruzar nossos caminhos existenciais.

Os mais espertos, conhecedores da malandragem, conseguem se safar, na boa.

Não era meu caso. Posava de otário exemplar, daqueles que reagem tardiamente.

Não posso dizer que sou um exemplo de sensatez ou virtuoso, mas também não sou o diabo que muita gente pinta. Entre os poucos bondosos e os muuuuitos maldosos deste louco planeta, creio que tendo mais para as nuvens do que para os quintos dos infernos. No entanto, pouco perspicaz quanto às convenções sociais, e, constantemente, metido em barafundas, já me vi sem saída, passado pra trás, iludido, usado, abusado e escangalhado.

Quando adolescente, tocava em igrejas, num conjunto. Não que fosse tão assíduo fiel, mas a notoriedade que daí advinha, entre as moçoilas, era compensadora. E foi, justamente, por isso que me vi numa enrascada. O colega músico paquerou garota comprometida, e ao final da missa tascou-lhe um beijo, num cantinho mais escondido. Alguém viu, deu com a boca no trombone e, em segundos, soubemos da família à porta, aguardando com cara feia. Uma amiga da garota sugeriu que eu saísse com ela, já que tinha jeito de gente boa, enquanto o outro parecia degenerado. Ele próprio concordou, ressabiado com a situação, e a garota nem esperou que eu dissesse algo, agarrando meu braço e me puxando para fora. Só que não era a família a nos esperar, mas seu namorado e mais um zilhão de capangas. Assim que passei pela porta, fui estapeado, chutado, cuspido e molhado. Entrei de volta rastejando, mas ainda vivo, apenas para ver o canalha causador de tudo, rindo a valer de minha condição.

Um tempo depois, concentrado em minhas iniciativas artísticas (toscas, mas autênticas), fui surpreendido pela ex namorada de um conhecido, que, repentinamente, cismou de declarar seu amor por mim. Era muito bonita e eu, bem..., estava mais para sapo que para príncipe, daí que fiquei cismado com a coisa. Uma amiga atestou, de pés juntos, que a garota se apaixonara mesmo por mim, sem nenhuma sombra de dúvida. E eu embarquei na aventura de namorar com alguém tão alheio ao meu mundo costumeiro. A coisa foi, no mínimo, constrangedora.

Na rua, ao caminharmos, ela cintilante, eu meio corcunda e desajeitado, suscitávamos risadas dos passantes. Pior quando fomos à praia. Ela, um violão perfeito, e eu um ponto de interrogação esquelético. Os garotões não entendiam o casal, ou talvez me imaginassem como o irmão problemático, de quem ela cuidava. Mais risadas e muitas caretas. Só que, depois de três semanas insólitas, eu estava perdidamente apaixonado e ela desgostosa. Sem eu saber, ela procurara o ex namorado, por quem estava, verdadeiramente, apaixonada, e reataram.

No dia seguinte nos encontramos, tomamos um ônibus, e mal sentamos, ela já disparou: - Olha, não quero mais você, Não diz nada, não faz escândalo, tá? Tchau!

Desceu sem olhar pra trás, e eu fiquei sentado, chorando, até o ponto final.

A amiga, que garantiu a paixão dela por mim, ainda disse:-Te falei! Não era pro teu bico.

Ao resolver comprar um automóvel, fui ver um fusquinha anunciado, na companhia de dois parentes. Ao lado do dito carro havia um Volks TL, e se você nunca ouviu falar dele, não está perdendo nada. Assim como apareceu, desapareceu, em benefício da humanidade.

Por insistência dos aparentados, comprei o tal TL, que duas semanas depois parou de funcionar. Passei por duas concessionárias, seis mecânicos, três eletricistas e um pai de santo. A cada pit stop desses, o bagual voltava à vida, para sucumbir, novamente, logo a seguir. Antes de jogar a toalha, troquei toda a fiação, suspensão, velas, filtros, fiz retífica no motor e pus rodas novas, mas depois de ficar, pela trigésima vez, empacado no meio do trânsito, liguei para um desmanche e vendi o dito cujo como sucata, por uma miséria, é claro.

Os parentes linguarudos, vejam só, riam e perguntavam onde eu estava com a cabeça, quando decidi pela geringonça. Lembrei-lhes a infeliz sugestão, o que os fez rir mais ainda.

Pior foi alguns dias depois, quando vi o sucateiro, dirigindo feliz o calhambeque. Disse que o problema era somente o tanque de combustível enferrujado. Trocou-o e resolveu tudo.

Dali em diante fechei minhas orelhas para críticas e sugestões, pois se tenho que me dar mal, que seja por iniciativa própria, sem alarde, sem vexame, sem o rabo entre as pernas.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 06/02/2016
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