SHOW DE GUAPÓ
 
 


 
Os dois passaram a noite na bebedeira, comemorando nem mais sabiam o quê. Isso em 1987, na Goiânia pré-Césio137. Ainda de ressaca foram para a fila que dobrava a quadra para fazerem cadastro para entrar na Universidade. Haviam passado no vestibular, o que motivou o início daquela temporada de comemorações. Ficaram várias horas na fila. O Chefinho e o Krumaré já tinham chegado com  a Kombi, com o propósito de retomar os trabalhos já pautados desde o dia anterior. Era um mundo sem PC nem celular. Chegaram e ainda estavam no meio da fila. Foi tanto tempo que começaram a fazer amizade com a vizinhança enfileirada. Era aquele monte de conversa de calouros inteligentes, mas ainda sonsos e tontos, talvez de tanto levar cacetada no cocuruto. Estavam divertidos assim, ainda meio bêbados. A vizinha que estava logo atrás, pronta ficou interessada na conversa fiada da dupla careca e etilizada dos dois calouros e dos dois veteranos ansiosos por sair dali. Entrou na conversa... E todos por um momento também desejaram entrar nela... Era um menina muito bonitinha. Parece um absurdo esse "muito bonitinha", mas ela não era bonitona porque era baixinha. Um metro e cincoenta alguma coisa, aproximadamente. Do tanto certinho entre  magra e gorda. Pele branquinha que combinava com o cabelo preto encaracolado totalmente remetido à África. Queixo miudinho e bochechas salientes. Seu corpo, do pescoço para cima, não parecia ter abandonado totalmente a infância. Meio antecipada no tempo, usava uma calça jeans preta que não ia até o sovaco como era comum naquela época, e também meio atrasada, com uma calça meio saint-tropez, algo de Grace Kelly quando ela se apaixonava por ladrões de casaca lá em Monte Carlo. Uma camisa branca querendo ser transparente, deixando advinhar o soutien também branco, deixando o que estava dentro para as imaginações calouras, veteranas e calorentas cheias de id. A garota caiu no blablá, ria de qualquer coisa. Conversava chiado, meio espargindo esses. Acharam muito charmosa! Tudo que ela fazia parecia charmoso. Pensaram: é carioca. E a danada só pronunciava os verbos flexionados no plural, talvesssss pelossss essssses finaisssss. Era só vamossss, temossss, essssperamossss, queremossss, adoramossss. E como elessss adoravam aquelasss flecsssssõesssss! E rápido imaginavam, turbinados por seus idssss, outrasss flecsssssõesssss! Era carioquinha da gema, clara e casca. Era um ovo fértil. Então o mais empolgado da turma perguntou:
_De onde você veio? Você é carioca?
_ Não! Claro que não. Show de Guapó!
Não. Guapó não! Guapó não tem como pronunciar em carioquês. Ficou aquela mistura do dialeto do Rio com o mais autêntico goianês. "Show" mais "GuapÓ", com um acento do tamanho do Ó. Os id perderam os esses sibilante e foram dormir. Nada tinham contra Guapó, que é puro Goiás, quase colado em Goiânia. Tá certo que nenhum deles conhecia uma autêntica guapoense e nem sabiam o sotaque que saía das bocas das garotas de lá. O problema era a quebra das expectativas que extrapolavam os limites estaduais e das calças. A garota era uma fraude... A menina era só mentira. E mentiroso ficou até seu corpo violinado. De repente aquela moça muuuito bonitinha, ficou muito feiona. E a vida não é conto de fadas. Assim como o mês de setembro daquele ano iria mostrar com o pior que pode existir em brilhos azuis.