Perpétuo em Memórias

“Amor, solte a Senhora”, eu disse ao Jordan quando ouvi um miado alto. Diva estava no chão da cozinha perto de meus pés. Ela sempre estava lá quando eu cozinhava.

“Mas… Ela é tão fofinha... “ Ele protestou em uma voz infaltil. Eu sorri.

“Seis meses desde que nós as adotamos, e elas ainda não se acostumaram aos seus abraços,” me gabei.

“Ha-ha”, escutei ele soltar a Senhora. “É porque você é o pai legal; eu cuido delas.”

“Porque você passa mais tempo em casa”, respondi, me apoiando em um pé e usando o outro para brincar com Diva.

“Isso mesmo!” Ouvi sua voz mais próxima de mim. Jordan encostou sua cabeça em minhas coastas e me abraçou. “Queria que você ficasse mais em casa”.

“Eu também”, suas palavras pesaram sobre mim. “Eu também…” eu olhei para o topo das árvores do lado de fora. Nós escolhemos este apartamento de dois quartos porque era próximo de um parque.

Ele beijou meu cangote e me soltou. Eu ouvi um miado diferente.

“Agora é a sua vez de abraçar o papai!” Ele brincou.

Eu terminei de fatiar os tomates, balancei a cabeça e sorri.

“Você já arrumou um episódio?”

“Ué, não! Agora, eu estou abraçando minhas gatas lindas e peludas,” ele respondeu.

“Bom, quando você terminar, arruma um. O almoço está quase pronto.”

“Okay. Quando eu terminar”, Jordan disse. “E só começamos, né, minha Senhora linda?”

Senhora miou.

***

“Vamos sair”, ele disse. “É sábado; você está em casa; vamos sair.”

“Eu quero ficar em casa com você”, eu respondi.

“Ah, fala sério, Will”, ele disse.

Eu estava embaixo do cobertor. Ele estava sentado na cama, olhando para mim com seus olhos meio asiáticos e pretos como seu cabelo e barba.

“Ah, é muito injusto!” eu reclamei e me virei. “Você sempre está em casa; aí, quando chega o fim de semana, você quer sair fazer alguma coisa. Durante a semana, eu estou em casa praticamente para comer; aí, no fim de semana, eu quero ficar em casa”.

“Tá, então, o que você quer fazer?” Jordan franziu a testa. Eu sorri. Ele tem uma carinha de bravo que é fofa igual a um filhote de gato. Mais fofa.

“Sei lá… A gente não começou a assistir uma série nova semana passada? A gente podía assistir alguns episódios, comer pipoca…”

“De novo?”

“De novo?!”

“Você sempre quer fazer isso”, ele se levantou e se virou para o guarda-roupas ao lado da porta do banheiro. Examinei suas costas. Eu amava os músculos de suas costas, sua bunda redonda e dura. Eu o amava.

“Eu sei…” concordei. “Mas, e… que tal a gente se divertir… aqui?” Empurrei o cobertor, sentindo uma brisa fria em meu corpo nu.

Ele olhou para trás e sorriu. “Ótima ideia! Mas, depois, vamos sair”.

“Beleza”.

***

“É a última temporada”, Jordan disse. Eu havia conectado o laptop à televisão e estava colocando outro episódio. “Aproveite porque eles cancelaram o seriado”.

“Não! Quando isso?”

“Semana passada. Te mandei a notícia no face”.

“Mandou?” Me sentei ao lado dele no sofa. Ele me passou a bacia de pipoca.

“Você não lê as coisas que eu mando?”

“Eu leio, eu leio. Só deixei essa passar, eu acho”.

“A-ham; Certo, Capitão”, ele saudou.

“Ah, amor,” me escorei nele. “O trabalho estava uma loucura essa semana, e… Ah, eu esqueci…” Ele me deu um tapinha no ombro.

“Você está proibido de me esquecer. Capiche?”

“Eu nunca esqueci e nunca vou esquecer,” eu o beijei. “Já, as coisas que você me manda…”

“Vamos assistir o negócio na TV”, ele acenou em direção a tela e deu uma risadinha.

Eu segurei suas mãos e as observei por um tempo. Elas eram fortes e firmes. Confiáveis. Assim como ele.

Chacoalhei a cabeça e olhei de volta para a TV.

***

“Qual o problema dessas gatas?” Jordan estava cercado. Senhora e Diva se esfregavam em suas pernas e miavam. Um ano se passara desde que elas chegaram e eu nunca as vira fazendo isso nele.

“Eu acho que elas querem carinho, amor,” eu disse. Jordan pegou as duas gatas e as abraços, esfregando seu rosto nelas.

E, pela primeira vez em um ano, as gatas não reclamaram.

“Uau”, eu me aproximei e abracei os três. “Não acredito que elas se acostumaram com os seus abraços”.

“Já era hora, né?”

Eu segurei os três em meus braços. Ficamos em silêncio. E se continuássemos assim, tenho certeza de que tiraríamos uma soneca.

Mas meu celular vibrou no meu bolso. “É o alarme. Tenho que ir.”

“Queria que você ficasse mais em casa,” ele sussurou em meu ouvido.

“Eu também… Eu também…” Beijei os três e saí.

***

“Os Silva nos convidaram…” Jordan espirrou uma, duas, três vezes, “... Para jantar… Amanhã”.

“Doentinho!” Eu brinquei. Ele riu. “Os Silva? Ainda estão vivos?”

“Claro que estão, sempre pisando no andar de cima igual elefantes o dia inteiro,” ele deu uma risadinha.

“Eles realmente aumentaram de tamanho, né?” Eu me aproximei e me sentei no balcão da cozinha ao lado dele.

“Eles estão enormes! Você deveria ver a-” espirro “-menina deles”.

“Você está bem, amor? Tem certeza que não quer ir a um médico?”

“É só um resfriado, Will, logo passa; não se preocupe”, ele me disse.

“Impossibru!” Imitei o meme da internet. Jordan riu.

“O que eu faria sem você?” ele balançou a cabeça enquanto sorria.

Eu o abracei bem apertado pelo lado. O cheiro de frango queimando me fez soltá-lo.

***

Eu estava em pé próximo à porta do quarto. Era manhã. Jordan ainda estava na cama embaixo do cobertor branco.

“Enxaqueca?”

“Uh-hum”.

Me sentei ao seu lado.

“Amor. É o terceiro dia que você está assim e ainda não melhorou. Vamos a um hospital.”

“Não”, ele fez um pequeno movimento.

“Jordan…”

Ele empurrou o cobertou para longe e correu para nosso banheiro. Eu fiquei onde estava. Enxaquecas sempre lhe deram ânsia de vômito. Ele puxou a descarga e voltou para a cama.

“Eu poderia convidar um médico para jantar, então”, eu propus.

“Tem que ser bonito”, ele disse. Eu sorri.

“Vou achar o mais gato”, e ouvi ele rir baixinho. “Vou deixar você dormir”, eu me levantei. Senhora e Diva subiram na cama e se aninharam próximas a ele.

Minhas necessidades me levaram ao banheiro. Deixei a porta estreitamente aberta e liguei as luzes. Com as partes de baixo abaixadas, me sentei na privada. Vi uma pequena mancha vermelha em um pedaço de papel higiênico no chão quando eu estava me limpando. Jordan deve estar com a garganta bem machucada.

***

“Como está sua cabeça?”

“Melhor; bem melhor”, Jordan me disse. “Dói de leve, mas é suportável”.

“Hoje é um dia especial, né?” Eu estava terminando de fazer panquecas para o café da manhã.

“Sim!” Ele bebeu chá de sua caneca. Ele trouxe esse habito de tomar chá de seu país para nossas vidas. Foi ótimo para mim, porque eu tomava muito café.

“O que você vai vestir?” Eu coloquei um prato cheio de panquecas sobre a mesa.

“Ah… Estava pensando em botas de salto alto, vários anéis, e um colar ma-ra-vi-lho-so”, ele sorriu. Me sentei ao seu lado.

“Você não mencionou nenhuma…”

“Eu sei. Vai ser tudo de bom!” Nós rimos. Ele deu uma mordida. “Amor, que delícia! Eu só não estou sentindo muita fome hoje.”

“Você tem que comer de qualquer jeito”, eu engoli meu pedaço. “E é melhor irmos logo à Sex Shop ou ficaremos sem roupas apropriadas para sua formatura.”

Nós rimos.

“Brincadeira”, ele engoliu outra mordida, quase a forçando para baixo. “Eu já escolhi os ternos. Só precisamos buscar”.

“E, além da festa, como você quer comemorar?”

Ele segurou sua caneca de chá com as duas mãos e pensou por um tempo. “Eu quero que você tire um mês de folga para uma viagem, que tal?”

“Um mês?!

“Uma semana.”

“Para onde?”

“Um… Paris!” Ele bebeu de seu chá.

“Okay.”

Ele quase engasgou. “Sério?”

“Sim”, dei outra mordida. “É um presente de formatura legal. Além do mais, será bom pra nós, dá pra praticar francês e-”

Ele colocou a caneca sobre a mesa, me espremeu em um abraço e beijou meu rosto múltiplas vezes. Eu quase engasgei com minha panqueca.

***

“Eu notei que ele não tinha mais tanto apetite… Ele não queria ir a um hospital… Eu sei, eu sei… Mãe, eu não ia arrastar o indivíduo até um hospital contra a vontade dele… Não… Sim, eu falei para ele… Várias vezes… Eu não sei. Estão fazendo uns exames, os médicos não me disseram nada ainda… Uns meses atrás… Mãe, ele se recusava a ir a um hospital! Eu não ia… Sim… Ele me disse que era só um resfriado… Mãe, você sabe que gays não são os únicos que tem isso, né?... Am… Escuta, não é isso, eu sei que não… O que você está sugerindo… Não, eu não vejo motivo para fazer um exame de sangue… O que? O que você está querendo dizer?... Sabe de uma coisa, eu sinto muito, esqueça que eu liguei”.

***

O céu estava azul claro quando eu acordei. Meu travesseiro estava todo babado.

“Bom dia”, Jordan me disse de seu lado da cama.

“Bom dia”, eu me virei para ele, meus olhos cheios de lágrimas. Ele perdera todo seu cabelo na quimioterapia. Eu culpei minhas lágrimas no fato de que eu havia acabado de acordar. Seus olhos, por outro lado, brilhavam, cheios de vida. “Dormiu bem?”

“Acordei algumas vezes”, ele me disse. “Você dormiu igual uma pedra…”

“Eu não sabia que eu estava tão cansado”, eu sorri e segurei sua mão. Ele estava vestindo um shorts jeans e uma camiseta verde escuro. “Pijama novo?”

“Sim, gostou?”

“Eu prefiro você sem,” beijei sua mão e sorri.

“É, sua mãe que não gostou muito,” ele ergueu as sobrancelhas.

“Minha mãe?”

“Ela fez uma visitinha hoje de manhã, enquanto você estava dormindo”, ele acariciou meu rosto com a outra mão.

“E?”

“Ela ficou extremamente chocada ao me encontrar magro - invejosa. Nós tivemos uma ótima conversa na qual ela sugeria que eu tinha AIDS e me questionava sobre nossa vida sexual. Tudo enquanto tomávamos uma ótima xícara de chá quente.”

“E?”

“Ela está morta no chão da sala. O veneno funcionou até que rápido”, Jordan me olhou, esperando uma risada.

“Então… Onde enterramos o corpo?”

“Vamos dar de comida para as gatas!”

“Você está louco?”

“É, concordo. Daria indigestão nelas.

Nós rimos. Jordan e eu nos encaramos, em silêncio.

“Vamos casar?” Ele sugeriu.

Descansei minha cabeça em seu peito. “A gente já não é casado?”

“Somos, somos… Mas, vamos legalizar”, ele sorriu. “Até porque, eu sempre quis um véu longo e um vestido branco lindo”.

“Eu queria o vestido!” Nós rimos.

Silencio novamente. Ele apertou minha mão.

“Ei…” Me sentei ao seu lado. “Ei… O que foi, amor?” Eu o puxei para perto, sentindo algumas lágrimas cair sobre meus ombros.

***

“Oi”, eu lhe disse quando ele acordou. Eu estivera sentado ao seu lado desde que chegara do trabalho, com medo de que ele não abrisse os olhos. Sua mão estava fria. Mas hospitais são frios. “Vamos aumentar a temperatura um pouco, que tal?”

“Você quis dizer sexo?” Suas palavras sairam com preguiça em uma voz meio rouca.

“Vejo que você não perdeu seu apetite como perdeu os cabelos”, eu sorri.

“Sabe, agora dá para ver o futuro na minha cabeça”, ele sorriu.

“É mesmo?” Eu coloquei minhas mãos em sua careca e fechei meus olhos. “Bola de cristal,” eu imitei o sotaque dele em uma voz grave. “Mostre-me o futuro…” Com minhas mãos, desenhei circulos em sua cabeça. Ele riu. “Vamos ou não vamos a Paris mês que vêm?”

“E esse sotaque?”

“É para dar mais poder”, eu disse.

“Bom, a bola de cristal se recusa a dizer alguma coisa a um homem solteiro”, ele disse.

“Ah, falando nisso…” Peguei minha maleta no chão ao lado da cama dele e retirei alguns papéis de dentro dela. Ele segurou os papeis com cuidado quando eu os entreguei a ele. Eu vi as folhas tremendo um pouco. Ele olhou para mim, sério.

“Isso é a política de negócios do shopping central”, ele disse.

“Oh,” Guardei os papeis de volta na maleta e entreguei a ele outro envelope. “Er… Desculpa…”

Ele lia, e eu o assisti enquanto ficava de joelhos.

“Você… Quer passar todos os seus dias comigo?”

“Tem certeza?” Ele perguntou, seu sorriso molhado de lágrimas. “Mesmo quando meus dias estão acabando?”

“Não diga isso”, meu rosto esquentou. Eu peguei uma pequena caixa preta do bolso interno de minha jaqueta e o mostrei dois anéis dourados. “Isso é mentira pura”.

Ele analisou meu rosto. Por tempo demais. “Sim… Sim… Por toda a eternidade”.

“Nós não acreditamos em eternidade”, eu o lembrei.

“Me deixe ser bonitinho uma vez”, ele deu um tapinha leve em meu ombro. Eu coloquei um anel em seu dedo; ele colocou o outro em meu dedo.

“O anél está um pouco… solto…”

“Você deveria ter pedido mais cedo”, ele olhou para sua mão com o anel.

“Meus planos eram de fazer um pedido em um-”

Jordan colocou seus dedos sobre meus lábios e sorriu. “Pode beijar o noivo.”

E nós nos beijamos, por bastante tempo. Eu o segurei em meus braços como se ele fosse feito de penas. Ele perdera tanto peso.

“Queria que você ficasse mais em casa”, eu sussurrei em seu ouvido. Ele me abraçou mais forte. “Eu já peguei a assinatura de algumas testemunhas: os Silva-”

“Os Silva?” Nós nos soltamos.

“Sim, os Silva, Emma, Louis e Chantonne.”

“Que saudades das noites com a Chantonne. Ela é uma mulher muito engraçada...”

“Ela é… Depois que você assinar, estaremos oficialmente casados.” Eu lhe entreguei uma caneta. Ele assinou os papéis. “Parabens, Sr. Jordan C. Wallace.”

“Ooh! Eu sou Sr. Wallace agora?”

“Sim, do jeito que você pediu”, eu o mostrei uma garrafa de champagne e duas taças que eu trouxera escondidas até o quarto.

“Nossa, como você é rebelde”, ele tossiu.

“Agora, acho que merecemos comemorar, não acha?” Caminhei até a porta.

“Sr. Wallace concorda plenamente.”

Tranquei a porta e fechei as persianas.

***

Eu caminhei pelo corredor carregando uma caixa pesada. Ninguém pareceu me notar, exceto por uma enfermeira na recepção. Fiquei aliviado.

Meus sapatos rangeram até eu parar em frente ao quarto do Jordan.

Entrei.

“Feche os olhos”, eu disse.

“Porque?”

“Amor. Feche os olhos”, eu repeti.

Coloquei a caixa no chão e a abri.

“Você trouxe os livros que eu pedi?”

“Sim”, fiquei em pé ao lado dele.

“Então, porque tanto-”

“Espera”, eu insisti.

“O que você está planejan-” eu observei um sorriso surgir no rosto do Jordan quando ele parou. Senhora subira na cama e soltara um miado baixo, quase imperceptivel. Ele abriu os olhos. “Meu bebezinho!” Ele a agarrou e abraçou contra seu rosto cheio de lágrimas. “Como você…” Diva subiu na cama. “Ah, eu senti tanta falta dos meus bebês!” Jordan as abraçou tão apertado quanto conseguia.

Senhora se soltou e se escondeu embaixo do lençol. Diva se deitou no colo de Jordan, como uma bola de pelos branca. Ele me puxou para perto e me agarrou apertado pela cintura.

“Muito, muito obrigado”, ele chorou.

“Agradeça nossas filhas que são quietinhas”, sorri. “Estou feliz que você esteja feliz, meu amor”, eu disse. Quando ele me soltou, eu peguei Diva em meus braços. “Diga o que você me disse hoje de manhã”. Eu peguei uma de suas patas e acenei para Jordan. “‘Papai, sentimos sua falta em casa’”, eu disse em uma voz fina.

“Oh, queridinha”, Jordan pegou Diva e Senhora em seus braços novamente. “Eu senti tanta falta delas”, ele disse. “Obrigado, obrigado, obrigado, obrigado,” ele repetia, as gatas em seu rosto.

***

“Amor… Onde você conseguiu esse olho roxo?” Jordan se virou para mim e apertou minha mão. Mas sua força já não era forte, nem firme.

“Seu pai…”

Eu olhei para a mão ossuda segurando a minha. A pele estava pálida, quase transparente. A memória de sua mão forte aparecia como uma estranha ilusão cobrindo aqueles dedos magros e de veias saltadas.

“Quando aconteceu?”

“Esta manhã na porta de entrada do hospital”.

“Mas que… Se eu pudesse, eu…”

Ele parou, e eu não disse nada. Eu não queria sentir raiva novamente.

“Amor-”

“Não precisa se desculpar, Jordan. Seu pai é-”

“Precisamos conversar”. Ele respirou fundo. “Você sabe que eu não vou durar muito-”

“Para, Jordan. Para”, eu olhei para fora da janela. A vista do estacionamento era horrível, comparada ao topo das arvores do nosso apartamento.

“Não. Pare você, William,” ele retrucou. “Sejamos realistas, como sempre fomos”, seus olhos procuraram os meus. Ele engoliu e continuou. “Eu vou morrer”.

“Todos vamos, um dia; não quer dizer que será amanhã ou logo, não é?” Eu olhei para o chão e soltei minha mão da dele.

“Eu quero que você esteja preparado para isso, quando a hora chegar”.

“E quem disse que você vai… sabe?” Meus olhos arderam. Limpei as lágrimas do meu rosto. “Quer dizer, quem disse que você não pode lutar contra um câncer estúpido? Jor, você bem sabe que nós já passamos por um monte de situações ruins-”

“Está na minha coluna, Will,” ele me disse como se estivesse dizendo que havia pizza para o jantar.

“O que? Como; quando você ia me falar isso?”

“Acabei de te dizer”.

“Isso… Não… Você já se curou antes… Isso não quer dizer nada…” eu forcei um sorriso bem aberto, esperando ser mais convincente. Esperando me convencer.

“Sim, faz”, ele disse. “Meu amor…” ele pegou minha mão novamente. Eu o encarei. “Eu não sinto minhas pernas…” ele sorriu. O raios do por do sol coloriram seu rosto de laranja. “Não as sinto já há um tempo…”

Eu tentei dizer alguma coisa, mas minha garganta estava muito apertada. Olhei para longe.

“William J. Wallace, o homem que eu amei por minha vida. Prometa que você vai continuar vivendo. Will. Will, olhe aqui. William. Prometa. Por mim”.

“Como?” Eu me parti. “Como eu posso viver quando metade de mim está morrendo?”

“Nós nunca tememos a morte; porque ter medo agora?”

“Não é a morte… É-”

Ele me abraçou. E eu o abracei devolta. Bem apertado.

“Eu prometo. Por você.”

***

“Vamos assistir ao último episódio,” eu coloquei o laptop sobre a cama.

“É aquela série que a gente estava assistindo?”

“Sim. Faz tempo, né? Quase esqueci dela”, eu me deitei na cama. O envolvi com meus braços e o puxei para perto pelos ombros. Jordan colocou a cabeça em meu peito. “Já que você nunca está em casa, eu decidi trazer aqui”.

“Que querido”, ele respirou pesado. “Como vão minhas princesinhas?”

“Vão bem”, eu disse. “Sentem falta do pai”, beijei sua cabeça. “Muito”.

“Eu sinto falta delas também”, respirou fundo. “Diga a elas que farei uma visita.”

“Com certeza! Elas não param de miar para o seu lado da cama, e não dormem mais em outro lugar além de lá, nem na cama delas mais,” eu sorri.

“Oh, elas me amam… Muito mais do que amam você”.

“Vamos assistir o negócio no computador”, eu acenei para a tela.

O episódio começou. Nós o assistimos em silêncio, concentrados.

“Estou tão feliz”, Jordan sussurou quando a música tema final começou. “Eu tive o melhor marido; que alguém podia ter”, ele respirou fundo, bem fundo.

“Jordan… Para de ser bobo”, eu acariciei seu braço. “Eu que deveria agradecer; você trouxe tanta coisa boa para minha vida; você bem sabe como você mudou tudo ao meu redor, ao nosso redor, para melhor. Logo, sou eu quem tem o melhor m-” Um barulho alto, agudo e constante vinha do monitor a esquerda dele. Eu só percebi quando a música do episódio parou. O som vinha do monitor cardíaco do Jordan.

***

Caro Jordan C. Wallace,

Já fazem três anos que você faleceu. Hoje é nosso aniversário de casamento.

Você me disse para continuar a viver, e eu continuo. Quase um ano depois da sua morte, eu fechei o escritório, vendi nosso apartamento e comprei para mim, Senhora e Diva, uma casa na França. Não em Paris - você teria odiado a movimentação da capital tanto quanto eu. Não, eu comprei uma casa pequena no sul da França, onde é mais quente. Você amaria o lugar, temos várias plantas e flores.

Mas hoje, com nossas lindas gatas em coleiras, eu estou te escrevendo de Paris. Eu visito a cidade de vez em quando, e hoje é uma ocasião especial. O sol está se ponto, e esta é a minha vista preferida do pais inteiro. Quando a luz do por do sol toca a torre Eiffel, às vezes ela brilha num tom laranja muito especial.

Eu quero que você saiba que eu mantive minhas duas promesas.

Primeiro, eu conheci um cara legal chamado Paul Brie - igual ao queijo. Ele não tem senso de humor, mas ele é legal. Ele aprende.

Segundo, e mais importante: nunca me esqueci de você. Mantive minha promessa, mesmo quando doloroso. Eu tenho um album de fotos no meu quarto. Na capa, está escrito “queria que você ficasse mais em casa”. Eu mesmo escrevi. Quando as coisas ficam complicadas por aqui, eu o abro e olho nossas fotos. Consigo ouvir você me dizendo para me acalmar e relaxar, ou para pensar melhor antes de fazer alguma coisa.

Mas minha foto favorita é aquela em que você está com Diva e com Senhora coladas no seu rosto quando elas ainda eram filhotinhas. As gatas parecem assustadas, extremamente; mas o seu sorriso naquela foto é o mais feliz que eu já vi. E já procurei por um sorriso tão feliz como o seu, e por uma risada tão contagiosa quanto a sua. Até perceber que pessoas são diferentes, únicas; como você também foi.

Ah, uma última coisa. Depois que você se foi, eu pensei muito sobre eternidade. Sei que nada é eterno e que buscar isso é inútil. Mas existe algum grau de perpetualidade em nossas memórias; eu posso sempre (re)viver nossa dança em sua formatura, e outros momentos, como quando as gatas fugiam dos seus abraços e como você insistia em abraça-las. Isso tudo para dizer que você é eterno em mim. E enquanto eu existir, você terá eternidade.

Eu sinto sua falta, meu melhor amigo e querido marido. Todo dia.

Com muito amor,

William. J. Wallace.