Do Nada Surgiu o Homem! Delirios!

Lembro-me de uma brisa! Uma leve brisa a refrescar-me o corpo!

Um vôo, suave, macio... Sentia-me um pássaro! Planando, vindo, chegando de algum lugar!

Por algum motivo lembro-me daquela brisa! Não devia lembrar! A lembrança faz-me diferente! Conheço o segredo!

Existo num grande castelo, perto do mar, não muito perto, em um lugar intermediário entre o ser e o não ser.

Construo castelos! Não de areia, é desperdício de tempo. Constrói-se algo sabendo que num piscar de olhos não o veremos mais. Tal é a nossa vida!

Castelos de areia! Que incoerência!

Enviam-me para mundos diferentes. Construa um castelo, viva! Ordenam-me!

Quem ordena? Não o vejo! Recebo ordens daquilo que não enxergo, do nada!

Sou aquele que não sabe o que é! Dono do destino, viajante do tempo... Será?

Solidão, estou só! Lá adiante milhares de seres dormem, sonham, não pensam em min!

Estou só!

E os dias transcorrem! Conheço-os, descobri o segredo, foi sem querer! Um erro da natureza, sei lá! Senti a brisa, uma sonolência, não estava mais naquele lugar! Engraçado, parecia estar!

Durante o tempo em que a senti, não sei quanto, lembrei-me de minhas vidas! Não queria lembrar! Sabia que era errado, que devia esquecer, porém lembrava. Algo em min se revoltava, pensava...

- ... E o destino?

- Acredito no destino.

- Também acredito. Deus traçou o meu! Qual o seu destino?

- Ninguém o sabe. É algo que acontece.

- É Deus, ele quer assim!

- Deus, sempre Deus! Deus não é parte de um romance, é simplesmente Deus, o inicio e o fim, não pode ser um romance. Quem o lerá?

- Eu!

- Deus?

- Sim, Deus!

- Absurdo, que destino absurdo! Lê o inicio e o fim, para quê?

- Para Deus!

Com quem conversava? Nada ao meu redor, só o vazio e aquela brisa.

Lembrei-me então daquela sensação!

O aparente distanciamento era real e irreal! Parte de min permanece naquele espaço! Despregou-se como desprega-se o parasita: atordoado, mas feliz! Sabe que não faltará quem lhe dê abrigo.

Conversava comigo mesmo, com um outro eu que não conhecia. Chorei!

- Deus é o romance, o alfa e o omega. Somos o elo que falta, que completa o inicio e o fim! O nada é Deus, pois Deus é tudo, inclusive o nada!

Queria correr, escapar do romance. O romance é Deus. Deus é o destino! O destino é o romance.

Queria escapar, queria o nada, queria Deus.

Deus é tudo, inclusive o nada!

Senti a angustia, a dor, a loucura, a morte! Deus!

Então nasci! Carne, osso, órgãos, sou um andróide! Levanto-me para o além. Trancado, amordaçado, morto mas não sepultado! Vivo, sou um andróide!

- Qual o diagnóstico?

- Loucura!

- Já o examinaram?

- Achamos que sim, não é necessário! O paciente se acha um andróide! Louco, é um ser humano! Carne, osso, órgãos...

- Quando chegou aqui?

- Ontem a noite! Disse-nos que veio numa onda, numa onda espumante que destruiu um castelo de areia.

- Deixe-me falar com ele!

Estão chegando, percebo. Ficarei sentado, calado, mão no queixo como se estivesse a meditar!

- Esse é o seu destino?

Poderia lhe responder: Não, essa é a minha vontade! Mas seus olhos brilham. E o brilho de seus olhos fitam-me! Se respondo sim terei que explicar, filosofar, contar minhas vidas... Eh, deixa para lá! Vou brincar! A verdade é que não conheço a resposta. A vontade será a nossa vontade ou o nosso destino? E o destino? Miserável e maravilhoso mundo de indagações!

- Se estou aqui, sim!

- Por que? Há tantos lugares...

- Vim me visitar! Estava com saudade! Sabe, nunca estive aqui, posso lembrar! Porém estou lá, em algum lugar! Logo, vim me conhecer!

- Quem é você?

- Sou aquele que não sabe o que é!

- Quer me explicar?

Vago por um imenso Universo. E a cada espaço percorrido, permaneço preso a min mesmo. Em vários espaços variedades de nós existem! Somos nada e tudo no mesmo instante. Aquele a quem chamam de Deus é parte daquele que não sabe o que é. Existimos aqui, lá, em qualquer lugar. Somos imortais! Vida e morte são palavras. Palavras são castelos de areia! Eis a diferença! A vida é esquecida com a morte. A morte, pois, é o fim de tudo, sendo, no entanto, o inicio do nada!

- Quer me explicar?

- Sim, gostaria! Porém não posso! Aquele que conhece desconhece o fim. Sabe, entretanto, que o fim de tudo é o nada. Mas o nada é tudo. Inexiste, portanto, o inicio e o fim!

- Fala da vida e da morte?

Conheço o segredo! Tristeza...! Solidão...! Como um vampiro obrigo-me a vagar, sem sede de sangue, sem a esperança de um dia tudo terminar!

A lembrança faz-me imortal! O esquecimento, o elo que completa a vida e a morte é por min renegado.

- Falo da dor! A dor em saber que neste mundo de ilusão não sabem sobre castelos.

- Conte-nos então!

- Já disse, não posso!

- Poderia obriga-lo!

Obrigar-me... Insensatez! Sou um andróide, aquele que não sabe o que é!

Um dia descobrirão o segredo, agora é cedo! Queria dizer-lhes... Estou só...! Não compreenderiam! Acreditam no alfa e no Omega. Não conhecem o segredo! A vida e a morte! Palavras! Nós somos o tudo e o nada!

Carne, osso, órgãos... Solidão! Sou um andróide! Construo castelos, não de areia, é besteira!

O mar, a onda espumante, a brancura de um ser que vai e que volta. O lugar intermediário entre a vida e a morte...

Luiz Capelo
Enviado por Luiz Capelo em 17/01/2016
Reeditado em 07/02/2016
Código do texto: T5513915
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.