Nevoeiro

Acordei, mas o meu corpo sentia-se entorpecido, não me apetecia levantar da cama, sentia-me cansada, muito cansada e aborrecida… Deixei-me, ficar deitada, aconchegada pelo édredon, a olhar o espaço até que me fixei no tecto que “pairava” sobre mim, branco e com um candeeiro apagado. Fixa nesses pontos, deixei que meus pensamentos vagueassem, e que alguns se pudessem perder, entre uma ou outra fissura, na parede do quarto, quem sabe, assim eu ficasse mais liberta de uma tristeza ou magoa que ali ficariam cativos… Ainda de olhar fixo, lembrei-me de alguns fragmentos de um sonho que tinha tido há dois dias, e o qual me causava, uma impressão enorme cada vez que dele me lembrava… Não conseguia tirar dele uma ilação, o que significaria. Claro que não seria o sonho que me ditaria sorte ou azar na minha vida, mas o que tinha sonhado e vivido, pois pareceu-me muito real, incomodava-me, queria entender, saber!... Tinha sonhado, que passeava por campos verdes, com um sol quente e acolhedor, e de repente, tudo mudou na paisagem, encontrando-me perdida num nevoeiro branco intenso, do qual eu nada conseguia enxergar á minha frente … Estava bloqueada de tudo, senti-me perdida e confusa, pois nada conseguia enxergar e começava a sentir um arrepio estranho pela espinha acima, uma espécie de medo, mas mantive a calma possível que eu pude conseguir de mim… Entrei no nevoeiro, às apalpadelas, receosa, mas continuei em frente, tentando arranjar uma saída que eu não vislumbrava… Pensei naquele momento, o que me iria acontecer, porque meu Eu, que é meu guia interior, não me iluminava o caminho?

E com este pensamento, continuei a avançar, numa direcção incerta, sem saber o fim da linha… Não via mais nada além das minhas mãos estendidas, como que a “desbravar” espaço para caminhar, não sabia onde punha os pés, mas sentia que podia caminhar, apesar de nada ver, só aquele denso nevoeiro branco sobre mim e em mim, que teimava em não me largar… Ouvi qualquer coisa, e parei para conseguir decifrar o que seria… A muito custo, consegui perceber pelo ouvido, o som de uma enxada a bater na terra, mas nada continuava a ver, só ouvia este som ainda que indistintamente. Fiquei ali, e não pretendia avançar mais, sem conseguir alcançar aquele som. Foi o que fiz de melhor, continuei a ouvir esse som, cada vez mais nítido e o nevoeiro começou a dissipar-se. Comecei, por ver algumas sombras, mas não as reconhecia… O nevoeiro, tornou-se cada vez mais leve, e eu vi então sobre o que caminhava, era uma ladeira de terra batida, não via erva ou flores, apenas terra, e de onde em onde pequenas pedras escuras. Continuei a caminhar, aproveitando a dissipação quase total do nevoeiro, e cada vez mais, eu conseguia ver melhor o que me rodeava, e aquele som da enxada, continuava, e outro o acompanhava, e esse eu o reconheci de imediato, aliás meu coração, pois as batidas dispararam, e quase que me saia pela boca… Era o assobio de meu amado pai… Quando vivo e bem-disposto, ele trabalhava seu pequeno quintal, de vez em quando assobiava, inclusive para nos chamar (suas filhas) caso precisasse de alguma coisa ou ajuda… Queria correr, e parecia não ter forças, continuei a caminhar apressadamente na direcção dos sons que eu agora ouvia muito bem, queria ver, a certeza ter… Queria abraçar meu pai, caso isso fosse verdade!... Que faria meu pai ali? … Naquele lugar sem graça alguma? … Chegada lá, vi meu pai cavando a terra, fazendo carreiros para plantar algo, e assobiava. Eu tinha razão quanto ao que tinha sentido, mas em vez de correr na direcção dele, fiquei inerte, não conseguia correr ou falar, parece que meus sentidos e forças se tinham ido… Ele ainda, não me tinha visto, e continuava a cavar a terra, preparando-a para algo a semear. De repente, uma luz chamou minha atenção e olhei para o lado, foi então que comecei a ver, numa espécie de tela, todas as situações em que eu tinha lidado com meu pai enquanto ele na terra, e em como na maior parte delas a alegria, felicidade e o seu amor por mim tinham prevalecido. Também me lembrei de quantas vezes no dia-a-dia, a palavra pai era dita com o amor que eu lhe devotava. Da felicidade que eu sentia quando ele me ligava para o trabalho, e eu ouvia meu nome ser chamado para atender seu telefonema, só para perguntar se eu estava bem, se tinha comido e que me esperaria na paragem de Antero de Quental, para me dizer adeus e mandar um beijo… Que bom era ouvir aquela voz tão linda, meiga e amada…Uma voz que me fazia sentir, bem, feliz e segura, apesar de algumas vezes ser dura. Talvez, e creio que sim, fosse necessário, nessas vezes ser assim. Mas também me foi mostrado, quantas vezes eu me indignei com ele por algumas coisas, que até poderiam ter sido remediadas. Mas foi assim que aconteceu, estava feito e nada havia a fazer… Mas para quê estas imagens? Queria estar com ele, abraçá-lo, e achava estar a perder tempo a visualizar aquilo… No final, uma pergunta apareceu naquela tela, “Achas que eu não te amo? Pensa bem antes de responderes!...” Desatei a chorar, percebi o porquê do filme, sei que inúmeras vezes me questiono se meu pai me amou, sei que sim, que ele me amou, simplesmente eu sempre quis meus pais só para mim, nunca gostei muito de os partilhar com as outras minhas irmãs. Talvez, porque elas usassem de parvoíces e fantochadas, para terem sua atenção, eu não, era mais serena, no meu mundo, mais realista, séria e verdadeira na minha essência. Não recorria a tolices, para pedir atenção, e talvez devido a isso, muitas vezes, senão a maior parte delas, eu ficava de lado, porque meu pai dizia-me que eu não sabia brincar, que não era como as minhas irmãs … Como criança, levei essa parte muito a sério e interiorizou-se em mim, largos anos, crendo eu sempre que meu pai não me amou como a elas.

Mas sim, sei que meu pai me amou, porque mo disse da maneira mais linda e sentida, antes de “partir” na sua viagem espiritual. Parecia adivinhar, o que iria acontecer, e deixou tudo dito e bem explicado… E hoje mais do que nunca, tenho a certeza do seu amor, e que continua a amar-me mesmo depois da sua partida, pois toda a vez que a brisa do vento toca minha face ao de leve, sinto como se de um beijo se trate e me lembro de meu pai, quando chove e eu sinto a euforia do cheiro a terra molhada, sei que meu pai está junto, assim como cada vez que estou triste, sem forças e preste a desistir de algo, sinto-me envolvida num calor enorme, como se de um abraço se trate, e me sinto revigorada para contornar o que me aflige… Então desatei a correr na direcção de meu pai, agora sentado num banco de pedra, quando ele me viu, levantou-se e abriu seus braços, joguei-me neles, e fui abraçada com o melhor e maior abraço que o mundo tem.

Beijou-me, acariciou meu rosto, limpou minhas lágrimas, e sem abrir sua boca eu ouvi nitidamente " te amo e amarei para sempre minha filha " , quando te oferecia uma flor do nosso quintal, era meu amor por ti que mostrava, quando deixava de comer algo que tu gostavas, para tu comeres, era meu amor por ti que eu mostrava, quando há chuva e ao frio eu te esperava na paragem do Bus, era meu amor por ti ... Chorei, e abraçamos-nos com muita força, e quando olhei de novo, não havia nevoeiro algum, nem terra batida, simplesmente, um lugar maravilhoso, verde, cheio de canteiros de flores de toda a espécie, e no ar pairavam borboletas brancas... Acabei por acordar, porque senti-me a cair, e quando dei conta, estava na minha cama, o coração acelerado, lágrimas no rosto mas estava feliz. Tinha sonhado, eu sabia, mas foi tão real, ao início assustador. Só hoje, aqui nesta letargia, revivendo e analisando o sonho consegui perceber, que me foi mostrado que devo deixar as coisas no passado e avançar em frente, que tenho de fazer de uma vez por todas a minha passagem… Minha transição, e por mais que os anos passem, não me esquecerei deste sonho, um tanto ou quanto esquisito, mas que me libertou, deu-me asas para voar e a certeza de que as pessoas nem sempre precisam dizer te amo, porque às vezes suas acções valem mais que mil palavras .

Maria Irene
Enviado por Maria Irene em 10/01/2016
Reeditado em 10/01/2016
Código do texto: T5506381
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