Abismo de Pontes ( sobre abuso sexual )

Abismo de Pontes Dia nebuloso e triste. Sinto-me perdida caminhando em direção à ponte Brooklyn. Tudo parece turbulento : as pessoas, veículos, paisagens , enfim , tudo parece como se tivesse vagando... Estou decidida a pôr um basta em tudo. Após várias tentativas arrasto-me caminhando sem me importar com a vida. E que vida? Vida mórbida, isso sim. Nem a minha roupa suja de tinta faz com que as pessoas se importassem comigo. Ouço vozes longe, bem longe...O barulho da cidade junto com todo o meu cansaço me empurra para o abismo nesses 45 anos. Meu cabelo , molhado pela chuva , ficou escuro e batendo na cintura, grudara na minha roupa após alguns respingos dos pincéis usados naquele quadro de um castelo imaginável. Meus olhos azuis acinzentaram com a tristeza vinda das entranhas e as lágrimas se misturaram com a chuva fina e fria do final da tarde de outono. O que eu quero mesmo é me privar dos traumas de algo que não sei ainda. Só sei que tudo dói na alma. As águas batem nas sapatas da ponte e seu barulho se mistura com o barulho da hélice do helicóptero e as sirenes dos carros de emergência...Grito ! Tudo muito lonnnnge... De repente ouço uma voz dizendo:

_Lucy está consciente, foi salva por um triz ! Era o Michael, o médico de plantão. Aos poucos fui acordando... Fingi que estava dormindo. Na primeira oportunidade, saí correndo pelas ruas ainda tonta, não me importando com os faróis e carros em alta velocidade. Foi então que Michael , meu amigo da antiga, junto aos policiais me me seguraram. Mesmo assim driblei todos eles tentando me atirar na avenida. Michael me segurou forte , olhando para os meus olhos perdidos dizendo :

_ PARE!

Entre muitos gritos , chega Paul , meu ex marido. Me arrancou a força , colocou-me no carro e levou-me pra casa. Ele , como sempre, se apresentava agressivo e sem nenhuma cautela para conversar, do tipo , vampiro de almas. Não vivíamos mais juntos, mas se intrometia em tudo. Por recomendação médica voltei aos medicamentos para não entrar em crise depressiva novamente. Amanheceu. Peguei os meus pincéis , aproveitei o dia lindo e fui concluir o castelo imaginário. Trouxe-me a lembrança da minha infância lá na Baía de Santa Monica, na Califórnia. Bem, não tenho boas lembranças de minha infância , mas gostaria de viver num castelo assim , fantasioso , que remetesse a algo bom. Ao anoitecer , ligo o computador e como de costume, adiciono as solicitações de amizade. Mas uma delas me chamou a atenção pelo nome, Abdala Sharem. Muito educado, pelo perfil , parecia ser muçulmano, nascido em Dubai. Resolvi adicioná-lo por conta da gentileza de enviar-me mensagem. Percebi que era um empresário, dono de uma frota de helicóptero que conduz turistas para conhecer a cidade. Os dias foram passando e aos poucos trocávamos poucas palavras até que meses depois conversamos via telefone. Foi um verdadeiro frison, era véspera de Natal . Foi uma surpresa sem igual ouvir sua voz. Em pensar que repudiei algumas vezes a conexão . Talvez porque havia conhecido o meu ex marido , Paul, via internet . E foi uma grande decepção . Portanto, seria mais um problema , pensei...Pela foto, observei que parecia ser alto , um pouco grisalho , olhos cor de mel e bem humorado . Ao contrário de mim, altamente depressiva e com síndrome do pânico. Iniciava-se assim uma grande amizade. Após muitos meses de conversas e confidências , pela primeira vez, criamos coragem de conversarmos via web-cam. O coração disparava, e tudo parecia parar no tempo. Com taça de vinho brindamos, via tela. Os nossos olhares de encantamento foi o prenúncio de uma grande história de amor. Falei de meus quadros, do meu gosto pela pintura, das minhas decepções e da minha tristeza constante. Ele olhava para mim fixamente. Não me contive, chorei sobre o teclado desesperadamente desejando colo, um ombro amigo...Abdala não sabia como lidar com a situação. Ele estava em Dubay, lá, do outro lado do mundo e o seu olhar era desesperador me vendo assim. Desliguei imediatamente o PC e tomei o remédio de rotina antidepressivo para tentar dormir. Abdala, preocupado , ligou-me , mas eu não atendi. Dias se passaram e as tentativas de Abdala em contactar comigo foram em vão. Até que um dia não resisti , atendi ao seu chamado. Lá estava ele, numa suntuosa cadeira vermelha aveludada com frisos dourado reluzentes... O seu olhar fixara junto ao meu. Não consegui fixar o meu olhar por muito tempo. Eu disse:

_ Quero teclar com você sem imagem, pois eu gostaria de confidenciar um assunto pessoal... Desculpe-me se evitei diversas vezes manter contato contigo. Preciso me desabafar. Apos muitos assuntos revelei que aos 12 anos fui covardemente abusada pelo meu pai. Além de mim , meus dois irmãos , minha irmã e minha mãe também foram vítimas dessa crueldade. Minha mãe perdeu dois filhos ainda no ventre devido à violência. Abdala ,perplexo, não hesitou e perguntou sobre a infância do meu pai. Eu só sabia que o meu pai era criador de cabras , era violento e frequentava missa frequentemente... Falar sobre a violência sofrida sempre foi constrangedor e traumatizante para mim. Há anos não consigo falar sobre o assunto. Enfim, prefiro esquecer . Abdala abriu a cam , me abraçou com os olhos acalentou-me dizendo que chegaria em NY dois dias depois. Chegou o grande dia, o dia do primeiro encontro! Aguardei ,ansiosa, no aeroporto de John Kennedy, Abdala chegar de Dubai. Corremos um para outro num longo e apertado abraço no saguão do aeroporto. O helicóptero sobrevoara o aeroporto. Uma grande surpresa estaria por vir voando em direção à Morristown. Conversas, risos, olhares ... tudo apaixonante. Já sobrevoando a região em torno do seu castelo, Abdala assustou-me com uma venda nos olhos até chegarmos ao destino , no Castelo de sua propriedade. E lá vivemos uma grande história de amor e cumplicidade. Finalmente fui curada de todos os traumas decorrentes da violência sofrida na infância pelo amor e dedicação do meu companheiro. Após alguns anos juntos idealizamos um projeto destinado ao tratamento psicossocial de crianças e adolescentes, vítimas de abuso sexual implantado no Castelo dos meus sonhos. Um sonho desejado por mim com o intuito de transformar vidas na busca de ser simplesmente feliz.

Obs: Essa obra é uma narrativa, uma ficção, alguns recortes foram baseados em fatos reais considerando o meu trabalho específico ao atendimento de crianças e adolescentes, vítimas de abuso e exploração sexual . Gratidão !

ValPeçanha
Enviado por ValPeçanha em 10/01/2016
Reeditado em 14/01/2016
Código do texto: T5505945
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