Conforto
Foi numa manhã ensolarada no Instituto de Arte e Filosofia que Fernanda conheceu César, no café bistrô do prédio. César, empresário de reconhecimento local, aprendera sobre as artes com sua antiga esposa, a professora de Psicologia da Arte Anita Silveira, e estava disposto a colocar em prática com as estudantes do instituto as teorias outrora aprendidas. Ao perceber Fernanda adentrando o café, portando um portifólio em livro fino de iniciante, com sorriso meia boca, e variando o andar entre cabeça baixa e olhada fugaz no homem engravatado, César não se lembrou de nenhuma teoria sobre seu comportamento contido no primeiro encontro, ao contrário do que conhecera em outras artistas, ao contrário do que observava em seus quadros. Foram diversas reuniões e, ao final do ciclo, perceberam que não era o mecenas que ali interessava, muito menos a exposição dos quadros; senão o homem ávido por novas teorias, senão a prática exposição de corpos. Tempos depois, Fernanda foi morar com César, empresário, bem sucedido, mecenas, viajado. César conhecia teoria, mas não sabia que a prática da arte requer inquietação. Fernanda, que ainda começava a conhecer a prática artística, pensou, teoricamente, estar confortável na vida. Entretanto, passando-se meses entre viagens de César a negócios, Fernanda tinha a incômoda sensação de que a casa não era sua. Faltava conforto, faltavam cavaletes no canto da sala onde ficava a mesa de leitura escolhida por Anita; faltava o sofá para as amigas da faculdade dormirem após noites de bebidas e cigarro onde havia a estante de livros ausentes de Anita; faltava um amarelo na parede branca que sustentava o toca-vinil em que Anita ouvia jazz. Na teoria, ainda havia os livros, os discos e a mesa de Anita na sala; na prática, faltava a companhia de César nos cavaletes, nas paredes coloridas e nas amigas da faculdade no sofá. Faltava seu gosto, faltava a cortina de sua cor preferida, faltava os talheres despojados na gaveta do armário de madeira escura, faltava o vento correr livremente pelo vão central que ligava a sala ao quarto principal, faltava isso, aquilo, aquilo outro... e sempre faltava. César não entendia a teoria de Fernanda que, na prática, sentia que a casa não era sua. Fernanda sentia a falta de tudo que não habitava a sua casa. Diante da angústia de Fernanda, César, antes de se ausentar, decidira reformar a casa segundo as indicações de Fernanda. Foram meses de reformas e quebra de cabeças para colocar na prática as teorias de decoração que Fernanda havia aprendido. Após meses de espera, com os pedreiros, pintores, decoradores cotidianamente em sua casa, a obra deu-se por encerrada. Enfim, a sós! Imaginou César, na teoria. Fernanda, na prática, sentia-se sozinha.