Mais um brasileiro

A chuva caía fria... Uma criança nos braços. Lá vai mais um brasileiro. Chove mais ainda. O ponto de ônibus é longe. O barro pesa-lhe o calçado. A tristeza abala o seu coração. Seu filho nos braços. Aquela raquítica figura, esquálida, de tez acinzentada. Sua dor ainda mais forte com a febre dele em alta, e o ofego se faz mais intenso. Respirar... difícil. Durará mais algumas horas, minutos...quem sabe?

Neste momento, não sabe se reza, ou se lamenta por sua situação, ou se enfurece por toda dor no mundo. Todavia, sabe que não deve desistir. O ponto do lotação ainda está muito longe, chegar lá nunca foi tão difícil. Ao se aproximar do ponto, lembra-se que em seu último acesso de raiva participara da destruição do mesmo. Na ora lhe parecera certo, era o momento que se sentira poderoso. Todo seu bando enfurecido mandara muitas pedradas lá – assustou todo o bairro – era o poder – sua marca registrada... Mas agora... que falta fizera o abrigo.

Como ficava numa área quase que inóspita, um pouco distante de um lugar coberto, teria que ficar ali... A chuva continua a judiar. A quem recorrer? Ninguém - era sua resposta. Não tinha ninguém com quem contar. Os amigos eram todos quebrados, desempregados, desajustados... Talvez deveria bater em alguma casa e clamar por ajuda. Era por uma vida. Era justo... Mas quem abriria a porta a ele, já que todos o temiam...

Tudo parecia ao seu redor melindrar seu coração... a raiva o assolara. Encontraria respostas neste momento de turbilhão de sofrimento? Lógico que não era momento de pensar e sim, agir... Mas de que jeito? Sabia que deveria esperar ali...

O lotação já viria... E, de fato logo após alguns minutos um par de luzes – quase que celestes – queimava o chão com milhares de vaga-lumes a cair – pelo efeito da chuva... A esperança e a alegria quiseram brotar naquele árido coração – ressecado pela injustiça social... quando... o lotação acelera e passa.

O motorista olha pelo para-brisa e tem a certeza que desta vez não caíra em nova cilada. Afinal, com dois assaltos na mesma semana, não contaria com salário suficiente para cobrir o caixa, e seus filhos – desta forma - passariam fome. 

(Marcio J. de Lima)

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