907-PAPAI NOEL DOS ITALIANOS- Conto de Natal

O Natal na casa de Albert Startfendt era metódico como um evento oficial alemão. Tinha a ceia, pontualmente às sete da noite, da qual participavam alguns amigos íntimos, além Albert, a esposa Frida e as três meninas do casal: Ada, Eda e Oda, de doze, dez e oito anos. Nada mais do que dez pessoas.

Às nove horas as meninas iam se deitar. Elas já haviam preparado o lugar para a chegada de Papai Noel: sob a árvore imutável através dos natais, colocavam pequenos feixes de capim e uma vasilha com água, para as renas, e um pratinho com um pedaço de stollen, o delicioso pão de com frutas, que dona Frida fazia apenas para a ceia, para que Papai Noel provasse ao deixar os presentes.

O sono custava a chegar, pois ficavam ansiosas. Ansiedade inexplicável, pois elas ganhavam sempre bonecas, invariavelmente, desde quando se lembravam do Natal.

— Acho que este ano Papai Noel vai trazer um presente diferente. — cochichou, entre as cobertas, a mais velha Ada, que ainda aos doze anos acreditava na lenda do bom velinho distribuidor de presentes na noite de Natal.

— Será que Papai Noel vai gostar do stollen que a mamãe fez? — perguntou Oda, a mais nova.

— Claro, sua bobinha, acho que ele é muito guloso, por que tem um barrigão...

Entre risinhos e cochichos, as irmãs concordaram e em breve caíram no sono.

O engenheiro Albert Startfendt chegara ao Brasil pelos idos de 1930, já casado com Frida, grávida de seis meses. Arranjara um bom emprego e agora era dono de seu próprio negócio. Tinha orgulho de sua nacionalidade e, como bom alemão, vivia uma vida metódica até nos ínfimos detalhes. Julgava os alemães superiores, principalmente aos italianos.

E a rotina se revelava até mesmo ao comprar os presentes de Natal para as filhas: uma boneca para cada uma, invariavelmente, a cada ano. Claro que a qualidade das bonecas aumentava de ano para ano. Das terríveis e feias bonecas de papel machê da década de 30 até as delicadas bonecas de rosto de louça que ele mandara vir de Frankfurt, sua terra de nascimento. Mas eram bonecas, sempre bonecas, que se espalhavam pela casa, mais como enfeites do que como brinquedos.

Naquele Natal, todavia, Albert havia conversado com Frida:

— Acho que está na ora de comprarmos outros presentes para as meninas. Elas já estão grandinhas para brincarem de bonecas.

— E verdade, Albert. Mas que vamos comprar que possa agradar às três?

Pelas cabeças deles não passava sequer a idéia de dar um presente diferente para cada uma; teria que ser igual para todas.

— Estive pensando... Acho que sombrinhas seria um bom presente — O pai disse.

— É... Sim... Sombrinhas pequenas, para crianças. Tem umas que são bem bonitinhas, na loja do seu Romano. — A esposa concordou e sugeriu.

Compraram as sombrinhas. Para crianças. Iguais no tamanho, variando nas cores: amarela, cor de rosa e azul claro.

Antes de se deitarem, verificando que as meninas já haviam dormido, colocaram as sombrinhas nos sapatinhos. Amarela para Ada, cor de rosa para Eda e azul claro para Oda. E retiram os feixes de capim, o pratinho com bolo e a vasilha com água, completando a simulação da passagem de Papai Noel e suas renas.

No dia seguinte, o alvoroço das meninas, bem de manhã, acordou os pais. Eles permaneceram deitados, esperando ouvir os gritinhos de satisfação das filhas, e até mesmo as batidas de mãos na porta do quarto, par avisar a passagem do Papai Noel e na sofreguidão ao desembrulharem os as caixas com os presentes.

Porém, apurados os ouvidos, nada escutaram que denotasse a euforia das filhas nos natais passados. Frida levantou-se sem fazer barulho e entreabriu a porta do quarto.

O que viu foi as três garotas sentadas no sofá, com as sombrinhas nas mãos, quietas e com ar de desaponto. Fez um sinal para o marido e abriu a porta.

— Então, meninas, o que Papai Noel trouxe para vocês?

Oda, a menor, não se conteve e começou a chorar. Ada e Eda estavam com as caras mais tristes do mundo.

Foi Oda quem interrompeu o silêncio triste, só quebrado pelos soluços de Oda.

— A gente num queria sombrinha. Ele sempre trouxe bonecas. — E começou a soluçar. Antes que a mãe e o pai pudessem falar qualquer coisa, as três meninas caíram num choro franco, esfregando olhos e narizes.

—Mas... meninas... — a mãe tentou falar — vocês já têm tantas bonecas!

— A gente não quer sombrinha. Queremos bonecas. — disseram quase ao mesmo tempo, entre soluços.

Albert ajoelhou-se ante as meninas, que permaneciam sentadas no sofá e tentou remediar a situação.

— Não se desesperem, meninas... Olha, ainda tem um jeito...

Frida, assustada, temendo que o marido fosse contar que eram eles que tinham comprado as sombrinhas, colocou as mãos no seu ombro, apertando-os.

— Albert... O Papai Noel...

— Ah! Já sei. Ouvi dizer que o Papai Noel dos italianos chega sempre atrasado, lá pelo dia seis de janeiro.

— Papai Noel dos italianos! — Admiraram-se em coro as filhas e a esposa.

— Sim, é um Papai Noel meio relaxado, atrasado.

Colocou a mão no queixo e fechou os olhos fingindo estar pensando profundamente.

Enfim, falou:

— Já sei! Vocês vão escrever uma cartinha para o Papai Noel dos Italianos, pedindo prá ele trocar as sombrinhas por bonecas. Eu ponho a carta no correio, e na noite do dia seis de janeiro, vocês vão colocar as sombrinhas na varanda, com capim e água para as renas e um pedaço de strudel que a Frida via fazer especialmente para ele.

Dito e feito. Na noite de seis de janeiro, tudo foi feito conforme a idéia do pai, que já havia mandado a carta. E na manhã seguinte, foi aquele alvoroço das meninas Ada, Eda e Oda compartilhado com Albert e Frida.

No alpendre da casa estavam três embrulhos que foram abertos com sofreguidão, revelando o conteúdo: três lindas bonecas de rosto macio, cabelos dourados e vestidinhos de renda – absolutamente iguais.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 5 de agosto de 2015

Conto # 905 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

contato: argobbo@yahoo.com.br

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/12/2015
Reeditado em 16/12/2015
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