Cravos: da escada, do jardim e da Cruz

Nictofobia, expressão de sentido turvo para muitos, e aterrorizante para aqueles que sofrem com o medo da escuridão; tornando sem efeito o velho dito: o essencial é invisível aos olhos. Não, o essencial há de ser visto, dimensionado, talvez até mesmo palpável, nossos medos necessitam estar à luz da fobia, caso contrário seria ele desacreditado, parafraseando São Tomé.

Quem sofre com a nictofobia não devia morar em casa com sótãos ou porões, onde a escuridão, naturalmente, faz sua pousada; um paradoxo, pois Oscar queria ver a ausência total da luz, coisa que a lógica não explica.

Porões são locais que oferecem riscos, impróprios para crianças e, sobretudo, para nictofóbicos, pois tudo ali é perigoso, velhas escadas apodrecidas, antigos móveis...pontiagudos, espelhos que refletem coisas, que a imaginação febril multiplica, e assusta, ou assim diz a espectro fobia. Nessas masmorras, como é de praxe, são esquecidos baús, que guardam documentos, que registram coisas a serem esquecidas, como a certidão de casamento, do primeiro casamento; testamentos que privilegiam o irmão mais velho; escritura de um velho terreno herdado, esquecido, e já tomado por posseiros, numa praia qualquer do litoral.

Um condomínio de luxo estava sendo construído, no terreno retro mencionado, herança deixada, em partes iguais, a ser dividida entre ele e o irmão único; os construtores buscavam os proprietários, para a legalização do imóvel, e foi isso que refez a fraternidade, quase que esquecida, entre Oscar e o velho mano, que, de surpresa, o visitou naquela noite.

Determinadas situações obrigam a deixar o medo de lado, e potentes lanternas facilitam esse desvio, foi com uma delas que Oscar se encorajou e desceu até o velho cubículo subterrâneo, enfrentando velhas escadas, carcomidas pelo tempo, e fixadas com enormes cravos enferrujados, cortantes, penetrantes e ameaçadores, até de tétano.

Vacilante, Oscar vencia poucos degraus, quando a luz se acendeu, e tomou conta do recinto, de tal forma que o jogou, do ponto mais alto, não vencendo os cravos, a madeira, transvestida de lanças, e os móveis, que não ofereciam perigo somente às crianças, mas, também, a todos que estejam paralisados pelo medo .

Ah, como a fraternidade é bela! Sorrateiramente, o irmão, aproveitando-se da uma pequena ausência do Oscar, colocou uma lâmpada de emergência no bocal desocupado, acima do terceiro degrau da escada, esperou que a vítima iniciasse a descida, e desligou a caixa geral de força, acionando, imediatamente, aquela lâmpada que se acende na falta de energia: a lâmpada acendeu, o medo, e Oscar, gritaram alto, e a queda se fez ouvir, deixando para um único herdeiro, um terreno de valor inestimável, e o nictofóbico, que tanta aversão tinha à escuridão, foi vítima de uma surpreendente luz, parecida com aquele clarão, que dizem ser visto instantes antes de se morrer.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 16/12/2015
Reeditado em 16/12/2015
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