906-DINHEIRO NÃO TEM CHEIRO - História da Vovó Bia
Vovó Bia passava o mês de maio na cidade, melhor dizendo, na residência do irmão Francisco, comerciante estabelecido com armazém de secos e molhados, com quatro portas abertas para a rua. Vinha por devoção a Nossa Senhora e ia todas as noites participar da novena do mês de Maria na capela do Colégio Paula Frassinetti, distante apenas um quarteirão da casa do mano Chico.
Durante o dia, passava o tempo alegremente, fazendo crochê sentada sob as parreiras antigas ou andando pelo grande quintal entre os canteiros de verduras. Não gostava de ouvir rádio. Cultivava o hábito da leitura e nas longas e frescas tardes de outono sentava-se à sombra folheando ou lendo alguns de seus livros e almanaques, dos quais ela tinha uma pilha.
Os almanaques daquela época (rememoro a década de 1940 a 1950) eram, no geral, edições de laboratórios farmacêuticos e traziam grande quantidade de curiosidades, provérbios, informações úteis sobre clima o ano todo, épocas de semeaduras e colheitas, além de anedotas de singelo bom humor.
Numa dessas ocasiões, Toniquinho, o neto mais velho, aproximou-se da poltrona de assento e encosto almofadados, onde ela entrara em um cochilo e deixara cair no chão um exemplar do Almanaque Capivarol. O garoto apanhou o almanaque e deu uma folheada. Vovó acordou nesse instante e ele colocou o almanaque em seu colo.
—Ahnn... Acho que cochilei.
—O almanaque estava no chão e...
—Estava lendo uma explicação de um ditado. — Ela disse.
Toniquinho era curioso a respeito de tudo.
—Ditado...?
—É. Ditado é quando as pessoas usam uma frase em certas situações, para reforçar a idéia.
— E qual era o ditado que a senhora estava lendo?
— Era uma notinha aqui que falava sobre o ditado “Dinheiro não tem cheiro”.
— Isto quer dizer o quê?
— As pessoas muito gananciosas, que querem acumular dinheiro de qualquer jeito, não querem saber de onde vem o dinheiro. Então falam que o “dinheiro não tem cheiro”.
— Ah. Acho que entendi. Mas quem é que inventa os ditados?
— As pessoas famosas, o povo, os governadores, generais.
— Esse que a senhora falou... dinheiro num tem cheiro... quem inventou?
— Estava lendo aqui que foi um imperador romano Vespasiano, no tempo começo da era cristã. Como Imperador de Roma, era absoluto e podia fazer o que quisesse: criar impostos, condenar pessoas. Era tão sovina, gostava tanto de dinheiro, que cobrava dos romanos o um pagamento para quem usasse os banheiros públicos.
— Banheiros públicos? — Perguntou o menino.
— Sim. Em Roma era muito comum as pessoas usarem os banheiros construídos pelo imperador. Tinham de pagar quando queriam tomar banho ou fazer xixi. Mas o povo reclamava tanto, que até o filho de Vespasiano, de nome Tito, foi falar com o pai para acabar com a taxa, pois que era uma vergonha cobrar das pessoas quando precisavam fazer suas necessidades.
O imperador ouviu a queixa do filho e disse:
— Você tem aí uma moeda?
Tito exibiu uma moeda e o Imperador lhe disse:
— Pois então cheire a moeda e me diz que cheiro sente.
O jovem cheirou a moeda, e naturalmente não sentiu cheiro nenhum.
— Não tem cheiro. — Ele disse ao pai.
— Pois é, meu filho. Você não sentiu cheiro nenhum. No entanto, ela vem da urina, da taxa que cobro para as pessoas usarem os banheiros públicos. Fique sabendo como lição que DINHEIRO NÃO TEM CHEIRO.
— Puxa, vó, agora entendi – Disse Toniquinho.
— E um ditado muito feio, este. Você não deverá nunca falar, pois só as pessoas muito ambiciosas se justificam usando uma frase tão feia e de significado tão ruim
— Tá bom, vó. — O garoto saiu correndo para o fundo do quintal, em busca de outro entretenimento.
— Esses garotos de hoje...! — disse Vovó Bia, com um suspiro de compreensão.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 17 de julho de 2015.
Conto # 906 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS
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