Lenda Recontada
LENDA DO LOBISOMEM
Morávamos no Sertão de Pernambuco, numa casinha simples muito humilde, pouca água, quase nenhum trabalho, meu pai fazia verdadeiros milagres para que pudéssemos sobreviver, tinha muita boca e pouca comida para saciar a fome.
Éramos todos muito pequenos, minha mãe doente prostrada, confinada numa cama, minhas irmãs maiores cuidavam da casa, e eu?
Bem, com meus nove anos de idade era amigo fiel do meu pai, fosse onde fosse estava sempre com ele, nunca nos separávamos. Meu pai fazia de tudo um pouco, em tempos difíceis a noite costumávamos ficar acampados no meio do mato, para queimarmos madeira e transformá-la em carvão que depois seria vendido o que nos garantia um pouco de alimento, precisávamos passar a noite acordados porque tínhamos que manter o fogo aceso até transformar toda madeira em carvão, grandes buracos eram abertos e lá depositávamos , a madeira que cobríamos com terra.
Noites intermináveis aquelas, ás vezes meu pai lançava um olhar de tristeza, misturado com ternura e me dizia:
-Meu filho, seria melhor ter ficado em casa com sua mãe e suas irmãs.
Papai, nunca vou deixar o senhor sozinho nos abraçávamos e via que seus olhos estavam rasos de lágrimas, mas logo se refazia, falava de outras coisas, me contava algumas histórias.
Muitas vezes eu nem chegava a escutar o desfecho, simplesmente dormia vencido pelo cansaço, ele me aconchegava ali mesmo no meio do mato, no outro dia quando acordava era hora de retornarmos ao lar.
Apesar da dureza daquelas noites as histórias que meu pai contava, me distraiam e eu me sentia dentro delas, algumas metiam muito medo, mas ele sempre finalizava dizendo:
-São lendas menino, lendas que o povo conta, não vá se impressionar, você é um homem.
Pensava comigo:
Ser homem é tarefa bem difícil, não posso chorar porque sou homem, nem medo posso sentir, tenho que realizar tarefas pesadas porque sou homem...
Pensando bem, meu Pai tinha razão, ele era o homem mais corajoso que conheci, nunca o vi sentir medo de nada, era o homem mais valente do Sertão, da Terra, do Mundo todo. Afinal de contas ele não era um simples homem, ele era o meu Pai.
Numa dessas noites ele me contou a lenda do Lobisomem, estávamos sentados numa pedra, esperando o carvão queimar ,ele em tom grave começou a falar;
-Os antigos meu filho, contam a história do Lobisomem que em noite de Lua cheia um homem transforma-se em lobo , uiva ataca , é peludo com unhas enormes, costuma-se dizer que quando uma mulher tem sete filhos o último sendo do sexo masculino , esse último será o Lobisomem, sendo que a forma de Lobisomem aparece após os 13 anos com muita intensidade, sempre em noites de Lua cheia, quando se transforma geralmente numa encruzilhada , sai a noite procurando sangue, matando ferozmente tudo o que se move, ao amanhecer o Lobisomem volta a ser homem...
Antes que meu Pai terminasse de falar, interrompi.
-Papai, se o Lobisomem aparecesse na minha frente pegava sua espingarda e o matava com uma só bala.
Meu pai sorriu, passando as mãos pelos meus cabelos.
-Meu filho, dizem que só a prata e o fogo matam o Lobisomem, mas esqueça são lendas, apenas lendas.
Fiquei pensando por um bom tempo e fui esquecendo do tal Lobisomem. Até que numa noite de Sexta feira, eu e meu pai estávamos a uma certa distância, com o nosso cachorro que latia querendo avançar.
No meio do milharal um bicho enorme, com olhos muito vermelhos, era peludo, muito parecido com um lobo, olhava em direção a lua cheia e uivava sem parar.
Meu Pai percebeu que eu estava com medo, ele também devia sentir o mesmo, mas disfarçou muito bem, me tomou pela mão e disse baixinho ao meu ouvido:
-Vamos embora, você vai andando na frente, e eu vou logo em seguida, bem atrás de você, qualquer coisa eu me atraco com o bicho e você corre até em casa.
Olhei para o meu pai quase chorando e com voz trêmula falei:
-Pai nunca vou deixar o senhor...
-Menino, faça o que digo não me desobedeça.
Nada respondi, meu coração parecia saltar do peito, mas obedeci sem questionar.
A trilha era estreita, não era possível andarmos lado a lado, segui com medo e meu cachorro junto a mim, meu pai logo atrás e o bicho nos seguindo do outro lado, o curioso é que não nos atacou, apenas nos seguiu de longe.
Chegamos a nossa casa, minhas pernas tremiam, quase nada podia falar, meu pai segurava a foice, a espingarda , foi até a cozinha, tomou num gole d´água, me olhando disse:
-Vá dormir João, amanhã logo cedo vou ver o carvão que queimou.
Minha mãe lá do quarto perguntou:
-Já voltaram? O que aconteceu?
Ia responder, mas meu pai fez um sinal com os dedos nos lábios, entendi era o nosso segredo.
-Voltamos mulher, a noite não estava muito boa, e o menino estava cansado.
Naquele resto de noite , confesso quase não dormi, parecia que o Lobisomem estava em toda parte. Eu e meu pai nunca mais conversamos sobre o assunto, mas o curioso que nas noites de Lua cheia, ele não ia trabalhar queimando lenhas principalmente se fosse noite de Lua cheia e Sexta feira, fiquei imaginando quem seria aquele Lobisomem.
Pensei ser o Sebastião da esquina, ele era estranho, com orelhas grandes, alguns diziam que ele parecia com o Lobisomem, mas ninguém nunca provou nada , ele não tinha namorada, poucos amigos, quase não conversava , um dia o encontrei na beira do rio , fui chegando mais perto e fiquei olhando, olhando, queria encontrar algo nele que parecesse com o Lobisomem, mas ele me olhou com ar de zangado .
-Que foi guri? Nunca me viu?
-Desculpe bastião, Tião, Sebastião, achei você meio parecido...
-Parecido com o que , ô moleque?
-Não, é, quer dizer...Com ninguém...
Achei melhor sair correndo
Pensando bem, é melhor não falar nada, talvez fosse por isso que ele não nos atacou , éramos vizinhos e meu pai muito amigo do pai dele, creio que ele nos reconheceu.
A partir daquele momento tive quase certeza, o Sebastião seria ele, o temível LOBISOMEM do Sertão?
Polly hundson