histórias aleatórias
Num conto que nunca cheguei a publicar acontece o seguinte: uma mulher, em fase terminal de doença, pede ao marido que lhe conte uma história para apaziguar as insuportáveis dores e esquecer por alguns instantes a sua proximidade com a morte.
O marido estranha o pedido, pois a sua mulher nunca foi do tipo de escutar histórias aleatórias. Mal então, ele começa a narração, falando sobre um amigo que conhecera na infância, ela o faz parar:
— Não, assim não. Eu quero que me conte a história em uma língua desconhecida.
— Desconhecida? — pergunta ele.
— Sim, uma língua que não existe! Que eu preciso me esforçar para entender!
O marido se pergunta... "como se pode saber falar uma língua que não existe?"
Ele resolve tentar, e começa por balbuciar umas palavras estranhas e sem sentido. Sente-se ridículo como se a si mesmo desse provas da incapacidade de ser humano. Aos poucos, porém, o marido vai ficando mais à vontade nesse idioma sem regras. E ele já não sabe se fala, se canta, se reza. Quando se detém, repara que a mulher está adormecida, e que mora em seu rosto o mais tranquilo sorriso.
No outro dia, a mulher lhe confessa: a história contada com aqueles murmúrios lhe trouxeram lembranças da infância. E lhe deram o conforto do mesmo sono que nos liga ao que havia antes de aprendermos a falar. O marido fica sem entender, e a mulher explica:
Na nossa infância, todos nós experimentamos este primeiro idioma, um idioma cheio de caos. Todos nós usufruímos do momento divino em que nos comunicamos com nossos pais apenas com olhares e balbucios sem sentido, que por algum motivo fazem todo o sentido do mundo.