Caônário

De longe seu Olívio já podia ouvir o canto da passarada na feira. Naquele domingo de outono, antes do sol nascer, lá estava ele, gaiola virgem de bambu, ansiosa para receber um novo morador. Dessa vez ele queria um canário belga, procurou, procurou... Mas não achou, o único que tinha um disponível era o Seu Azulão, o criador mais antigo da feira. Olívio, apesar de “não ter preconceitos”, não queria negócio com preto. Nem quando ofereceram-lhe um Melro raro por uma bagatela, ele quis. Não era por discriminação que ele não alugava casa para pretos. E sabe-se lá Deus por que, ele deserdou sua filha do meio que se casou com um preto, enfim.

De volta a casa, por volta das nove da manhã, frustrado, seu Olívio assentou-se de baixo da jabuticabeira do quintal com uma xícara de café [a única coisa preta que ele tolerava] e uma fatia generosa de bolo de fubá feito por sua senhora. De repente surgiu um pássaro amarelo gema, exatamente da cor do Canário da Belga que tanto ele queria. Seu Olívio que era um glutão, e não dividiria comida nem com a própria mãe, não pensou duas vezes tirou uma lasca do bolo e lançou na direção do pássaro que não se fazer de rogado e serviu-se. Olívio pensou em apanhar a gaiola para manietar a ave, mas ficou com medo de assustá-la, enquanto bolava um plano foi surpreendido pelo pássaro que pousou no seu braço e comeu na sua mão.

Virou rotina, o tal pássaro já se sentia em casa e cantarolava toda manhã na janela da cozinha até ganhar bolo de fubá ou biscoito cream cracker. Sempre pousava no ombro de seu Olívio, como fazem os papagaios de piratas. Seu Olívio era um chamego só, tanto que já não dava tanta atenção para seu acervo de mais de 30 espécies de aves. Quase todo o domingo seu Olívio desfilava pelas ruas do bairro ostentando seu pássaro amarelo no ombro. Certo dia ele percebeu que um dos seus pássaros havia sumido, mas não deu a menor importância, pois agora ele estava muito empolgado com Bob Esponja, apelido que deu ao pássaro amarelo.

Passado um mês, Olívio notou que, haviam sumidos mais pássaros do seu acervo, a metade, e começou a desconfiar de sua mulher [já que ela sempre reclamava do barulho e sujeira que esses produziam] e armou uma emboscada para pegá-la no flagra. Pôs sua cadeira de balanço atrás da jabuticabeira e passou a noite de sentinela, com o vai e vem da cadeira ele cochilou, só acordou com o barulho de pássaros voando. Ele não acreditou no que viu, Bob Esponja, é! Seu suposto canário belga estava abrindo as gaiolas com o bico.

Pela manhã, Olívio já não sabia se aquilo que vira era sonho ou fruto de sua imaginação, pensou em comentar com a mulher, mas não queria parecer ridículo. Parou perto de Bob Esponja, que ficava naquelas gaiolas de papagaio, mas sem corrente. Observou-o por uns instantes com desconfiança, notou que ele não estava tão amarelo quanto era: Está na muda! Pensou ele, e seguiu pensativo pela área. Mas ao passar pelo cesto de roupas sujas viu a camisa que havia usado no dia anterior suja de amarelo no ombro, revirou o cesto e viu outras no mesmo estado, teve então a certeza de ter sido enganado, ao voltar as pressas para o criadouro, viu as últimas três aves que sobraram em seu acervo indo embora, junto a elas Bob Esponja, que ia perdendo o resto da cor sob a fina chuva que caia. Seu Olívio pôs os óculos e antes que Bob Esponja, seu suposto canário belga se perdesse de vista ele certificou-se que se tratava de um tizil.

Ele que não queria negócio com preto teve um acesso de fúria e quebrou todas as gaiolas. Que é isso homem? Perguntou sua senhora, ele então explicou o caso a ela que obviamente não acreditou, ele disse que podia provar, foi ao cesto de roupas para mostrar as camisas sujas de amarelo no ombro, mas já não havia sujeira nenhuma nelas: É homem, acho que tu tá caduco, tem falado sozinho, jogado bolo e biscoito pela janela, soltou os pássaros todos e inventou essa história sem pé nem cabeça! Todos concordaram que Seu Olívio carecia de internação e o mandaram para um sanatório, onde ele passou o resto de seus dias matando tizis imaginários com um estilingue feito por seus dedos em “V”.