Vida caricata, capítulo VI: Não se preocupe, seja feliz
Terminou o horário das aulas. Me preparo pra ir pro metrô, o caminho longo dá até uma desanimada. Sem ninguém pra conversar, eu leio uns mangás e livros pra me distrair. Servem até de inspiração pra criar músicas e textos depois.
Mas também por demorar bastante (1h30-2h), dá muita brecha pra lembrar de coisas ruins. As histórias às vezes ajudam nisso também.
Pego os fones de ouvido e coloco uma música, enquanto saio da faculdade. Logo que eu saio começa a chover.
-Puta merda, que sorte hein! Só falta eu não ter pego o guarda chuva justo hoje.
Então eu começo desesperado a revirar minha mochila inteira, incluindo cadernos e tudo. Só não sei porque agi como azarado, preciso me controlar.
Achei, e arrumei minha mochila. Comecei a subir a rua pra chegar na estação, enquanto abria o guarda-chuva. Vejo mais pra frente a Isa, mesma menina que falou comigo mais cedo. Mas não tenho coragem de falar com ela.
Poucos passos depois, ela vira e repara em mim:
-F.O.P.! Tudo bem? Não vi você, hahaha.
-Tudo...-E por mais que algumas coisas, tanto relacionadas à minha impressão de estar no hospital quanto anteriores, ainda me maltratassem por dentro, isso foi tudo que eu consegui falar. Mais importante, isso foi tudo que eu Quis falar.
-Certeza? Não quer falar de nada?
-Se eu começasse... Eu não quero também encher o saco, foi mal Isa. Besteira. Mas tô melhorando.
-Pode falar, se você sentir que precisa, claro.
-Ah, eu nem sei como explicar... Tem tanta coisa do passado que mistura na minha cabeça às vezes, sei lá o que é lembrança e o que aconteceu e como aconteceu... É drama besta meu mesmo, não quero passar nem um pouco disso pra você... Me desculpa- Enquanto isso sinto uma vontade de chorar, que por sorte não fica na cara. Mas eu sei que ela descobre mesmo assim.
-Bom, você vai pro Ana Rosa?
-Vou- na verdade, eu geralmente ia pela Vila Mariana, mas, se uma chance de falar com ela surgiu, eu que não vou perder.
-Então vamos- Ela falou e logo depois começou devagar a subir a rua da faculdade, e eu a acompanhei.
-Ah, mas sobre essas coisas, você tem que se acalmar mais. Dá pra ver que você é uma pessoa muito boa, que conversa bem e gosta de ouvir e tudo mais, só que tá numa época difícil. Mas eu também tô, essa semana mesmo foi bem chata pra mim, mas você tem que pensar menos nisso, sabe? Só assim as coisas passam. E você pode explicar o que você quiser, isso importa também.
-Obrigado, Isa. Muito.
E é nessas horas que eu não me entendo: Sim, eu gosto dela. A ponto de imaginar muito mais do que eu falo ou faço com ela, a ponto de sonhar com ela como nunca antes, a ponto de não querer arriscar perder nada que eu já tenha com ela. E sei que grande parte disso é porque ela me acalma, me ouve, me entende. Coisa que os amigos da minha idade nem tentam fazer, na maioria dos casos. Ela sabe quando me fazer rir pra melhorar ou quando isso só pioraria. E porque eu sinto que isso não é suficiente pra eu tomar uma atitude? Eu quero, ela pode, porque eu não consigo direcionar as conversas?
-De nada, F.O.P. E ah, eu vi que você gostou de Jackson C. Frank, que bom. Tô meio viciada.
Sim, a gente recomenda músicas um pro outro. E eu ouvi todas que ela me mandou, e ela não ouviu algumas das que eu comentei. Mas sempre que eu vejo ela reagindo, até pras minhas músicas, é com um sorriso e uma alegria que eu sei que ela demonstra mais pela música, mas que me marca por muito tempo.
-Sim, gostei bastante. Engraçado foi ver que nossas favoritas foram mas mesmas, haha. e você tem ouvido o que esses dias, Isa?
-Ah, eu tenho ouvido Connan Mockasin, Interpol e Mac Demarco. E Alex G, aquele cara que eu te mandei. E você?
-Eu tô ouvindo bastante Summer Of Haze, Huaska, que eu te mandei e acho que você não ouviu, Igorrr, Art Blakey... E tem os punks que eu tô ouvindo mais por causa da banda com o Jean- Esse é um guitarrista da nossa sala.
-Vocês tem uma banda né? Gostei bastante da apresentação de vocês na faculdade, continuem nessa pegada que vocês estruturam bem as músicas, e parecem pensar bem parecido- Nossa apresentação foi totalmente inspirada em Punk e Metal, então ver alguém que não é desses dois mundos elogiar, e ser justo a Isa, foi uma felicidade enorme.
-Nossa, valeu. Não achava que você fosse gostar.
Depois disso, algum tempo de silêncio durou até que nós chegássemos na estação.
-Você pega qual sentido, F.O.P.?
-Tucuruvi, pra ir pra Sé e na linha vermelha pegar o Palmeiras-Barra Funda. E você?
-Também, vou até a Anhangabaú.
Isso significaria que eu ainda teria muito tempo pra falar com ela, o que não acontece nunca. E é agora, aqui no metrô, que eu tenho certeza de uma coisa:
Ela me faz bem sim. Aqui dá pra ver, em tudo que eu não faço, e ouvir no silêncio que eu digo, que mesmo sem eu querer, mesmo sem eu fazer nada, ela me importa. E eu sei que ela já reparou isso.