VIGÉSIMO QUINTO

O ano era 1985. Véspera de natal numa terça-feira chuvosa. A família do menino Heitor fazia os preparativos para sua primeira ceia – afinal, o pai havia recebido sua esperada promoção do condomínio luxuoso onde trabalhava há mais de vinte anos.

A noite se aproximava, e o pai ainda não retornará do trabalho. Porem, a família, que vivia seu momento mágico não havia percebido o deslizar do tempo.

“Mãe, será que o papai não esquecerá os nossos presentes?”, perguntou Heitor num rápido tom de preocupação.

“Não Heitor! Sabe como é seu pai; e é mais fácil esquecer-se dele mesmo” apressou-se a mãe olhando para janela...

Lá no fundo ouvia-se o som de pássaros e a cada momento que Heitor acordava os cantos aumentavam.

“Filho, não levante a cabeça assim tão rápido!”, ordenou uma mulher estranha que vestia uma roupa toda florida”.

“Onde está minha mãe?” sussurra Heitor, ainda perdido. Sem qualquer resposta, a mulher apenas preocupava-se em colocar água num copo plástico e leva-lo lentamente a boca de Heitor...

Passado cinco anos após aquele trágico dia de véspera de natal...

Deitado em sua cama como fazia todas as noites nas vésperas de natal. Era inicio de noite, o céu abarrotado de estrelas – as cantigas natalinas ressoavam nas bocas enormes das velhas senhoras que assiduamente visitavam o local. Todo aquele barulho causava furor, e sempre terminara com um grande aperto no coração de Heitor.

Naquele conjecturado dia, Heitor não esperou um minuto sequer. Seguiu seus planos como havia delineado. Esperou e realizou cada movimento – deixando para trás seu passado corroído, e armazenando em seu ser todo ódio que um jovem não deveria carregar.

Há dois anos Heitor havia conhecido algumas pessoas que integravam uma comunidade, e que, volta e meia, faziam-se presentes no abrigo. Esse grupo vivia num lugar afastado, e tinha como mentor um homem muito rico e influente com a classe política daquela cidade.

“Seja bem-vindo a sua nova morada jovem Heitor!”, foi a única palavra proferida pelo guru ao jovem que se aviventava para uma nova era.

Próximo ao final do primeiro ano após a fuga. Exatamente, numa manhã de natal, acontecerá um terrível assassinato: um conhecido político local, havia sido assassinado numa casa de campo não muito longe da cidade. “Foi uma morte simples, sem grandes estragos” - relatava o limitado e único jornal da cidade.

Dias e meses se passaram. Habitualidade a rotina tomara conta das vidas correlatas.

Ano seguinte, e coincidentemente, numa manhã de natal - outro homem público havia sido morto numa ruela da cidade. E o sempre néscio jornaleco fazia seus curtos e nebulosos comentários; dando ênfase apenas a uma única imagem do cadáver - conseguida por um feliz e iniciante fotógrafo(...)

Outro ano... e mais um político deixará este mundo delicioso para destinar-se involuntariamente a um outro possível mundo de novidades ou, na pior das hipóteses – um lugar de sofrimento e condenação.

357 dias depois, outro cadáver aparecerá na cidade. Só que desta vez tratava-se de uma mulher. Os três defuntos tinham em comum a política, bem como a arte de se meter em escândalos corruptíveis – no entanto ambos, sem qualquer confirmação ou penalidade; já que eram brindados por brechas e pelo desastroso padecimento das leis.

Mais um findar de ano se aproximava, e as autoridades locais se mobilizavam, afinal, toda a mídia modista do país estava de prontidão. A cidade tornou-se modelo desejado àqueles que têm aversão à política como um todo. Para muitos, aquele local era o santo sepulcro às avessas e, destinado, a todo tipo de ser humano indesejável. Para o desespero das autoridades e para o folguedo jornalístico – a mente causadora de todo este pandemônio, resolve inovar; matando um cidadão não político, porém – com grandes chances de ser um deles – já que se proferia de grande popularidade para tal.

Com o passar dos anos as árvores de natal vão sendo montadas e desmontadas; enquanto as crianças conduzidas pela obrigação do elogio e do automonitoramento da obediência - aguardam ansiosas pela chegada do velho e bom Noel junto de seu trenó carregado de presentes. Do lado adulto dito real e racional; as pessoas aguardam pela próxima vítima com base em suposições e apostas - além das intermináveis discussões do contra e a favor.

Extraordinariamente, porém previsível - o matador segue com sua perspicaz e eficiente rotina de natal. E, sem ao menos encontrar quaisquer obstáculos, seja por incompetência policial, pela necessidade de expurgação ética ou redução da concorrência, ele aplica-se ano a ano. Contado exatamente 23 pessoas eliminadas da face terrena, e que, em comum têm seu passado de vida inglória - permeados de enriquecimento ilícitos até supostos indícios criminais perante aos bens públicos os quais prometeram a representação do povo.

Sendo assim, uma boa parte da população acreditava que tal evento seria o aviso perfeito para entrada do juízo final. Com este, seriam agraciados através das mortes tidas como necessárias, a fim de que fossem libertados os excluídos de ontem e de hoje; os deslocados; os miseráveis e os desvalidos, para glória divina. E com base nisto, acreditavam que este enviado divino tão logo fosse descoberto; passaria a ser chamado de vigésimo quinto! “Donde mais poderia surgir tal criatividade, a não ser daqueles que secularmente procuram uma razão divina para existência?” Destacava o em sua primeira página o sátiro jornal da cidade.

25 de dezembro de ano de 2013, em meio a um dos maiores sistema de segurança já organizado no país. Um corpo é achado num carro abandonado. O policial que chegará primeiro até o local, diz no celular para o delegado de plantão”: Doutor, achamos um corpo dentro dum carro roubado, e estranho, é que este corpo não é exatamente um corpo... e sim, uma caveira que teria sido retirado de uma cova!”, continua o policial. Após investigações, concluíram que tratava-se de um deputado que morrera de infarto fulminante enquanto fazia campanha política, no maior estilo paraquedista – àqueles que aparecem num lugar desconhecido para assegurar o maior número de votos possíveis.

Tarde do dia 24 de dezembro do ano de 2014. Um homem se apresenta na delegacia dizendo ser o matador de políticos. A notícia se espalha. Todas as televisões, inclusive o jornaleco, estão agora, vampirando as redondezas. A cidade está eufórica. Gritos de “eu te amo matador” e “matador para prefeito” ecoam por toda cidade. Rezas, velas e promessas...

Seu nome é Heitor de 39 anos. Morador e membro da comunidade Terra. Quando criança, perdera sua família numa noite de véspera de natal. Todos foram envenenados com um peru presenteado a seu pai por um político influente e morador do condomínio onde trabalhava. Este, à época, fora absolvido, defendido por seus advogados que o peru havia sido presenteado por uma empresa fantasma com endereço desconhecido.

Heitor é preso e aguarda durante quase doze meses por seu julgamento. Com tudo, ele é absolvido por falta de provas – além do que, tornara-se um herói nacional e todos clamam por sua inserção na política, inclusive os líderes dos maiores partidos nacionais. Heitor se recusa!

25 de dezembro do ano de 2015, Para surpresa, confusão e tristeza de muitos, Heitor é achado morto numa valeta -, e em seu corpo, há um bilhete com a seguinte descrição:

“Vigésimo Quinto” Mudança de planos....Feliz Natal!

Diálogo
Enviado por Diálogo em 02/12/2015
Reeditado em 28/03/2016
Código do texto: T5467809
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