Mundo dos homens feios.

Aquela era uma cidade como as demais. Pelas ruas, um transeunte sem uma idade definida – entre os trinta e quarenta anos-, caminhava e observava aquelas redondezas. Logo na entrada, educadamente, indagou a um individuo despojado de qualquer luxo que se encontrava apoiado no meio fio: “- Que cidade é essa?”.

De expressão triste, o cidadão ouviu a pergunta e, sem disposição, respondeu: “...é o mundo dos homens feios!” E deu de ombros.

O visitante, calado, não entendendo a dimensão daquela dura resposta decidiu pesquisar aquele mistério. A principio, nada lhe aparentava novo. Ruas lotadas no centro, pessoas portando trajes da moda invadindo os sinais. Via-se as chaminés nos arredores, casas comerciais nas esquina. Basicamente, os hábitos seguiam os padrões existentes.

Mas a afirmação daquele indivíduo inquietava-lhe: Porque mundo dos homens feios?... Qualquer pessoa de relativa cultura sabe que a beleza é apenas um critério adotado na intenção de comparar esse ou aquele, mas é uma consideração inválida. A beleza é subjetiva. Na verdade, ela seria a perfeição dos traços de determinada peça. O que não se aplica às pessoas. Elas não são eternas. Não há um padrão a ser seguido, somente o que a mídia publica e o classifica como belo. A nível humano, como alguém poderia ser belo se, em poucos anos, seu corpo se deformará? Tudo o que restará serão os seus feitos. O que há, de fato, é a diferenciabilidade dos tipos entre altos, baixos, negro, amarelo... O que se pesa para a sociedade é a ação de cada grupo...agora, homens feios... Como seriam os bonitos?

Os traços expostos pela juventude mostram a síntese do contexto que eles vivem. Caveiras, duendes, símbolos góticos, tatuagens; a simples maquilagem ou a falta dela na pele queimada da mocidade do gueto, perdidos na fumaça que arde no cachimbo improvisado.

Aprofundando pelas ruas, novos feitos vinham à tona. Agora, era a classe média que expunha seu charme. Jovens e velhos na eterna luta. Comércio, transportes, pessoas imbuídas nos seus afazeres; suas tensões diárias lhes conferindo um encanto característico. O olhar tenso da mãe que guia seu filho no semáforo; os traços juvenis da classe escolar nas tradicionais extravagâncias da idade; a massa pobre que enche de vida o trânsito, sobressaindo os homens de ternos, as roupas da moda, as mulheres muçulmanas com seus lenços; a pressão do horário de pico na cidade onde a humanidade é sempre estranha.

Ainda não há uma resposta para a afirmação daquele individuo de olhar distante, sem sonhos, vivendo, quem sabe, numa cama de incertezas e de sonhos irrealizados.

Quando o semáforo fecha expõe a realidade social. Poderosos automotores exibem a diferença social entre as classes. A intransigência no trato com as demais; a certeza da influência com os detentores da lei faz indivíduos relapsos, prepotentes mediantes olhos assustados da maioria que se limita ao sinal.

Uma pausa. Parado em frente à banca de revistas, daquelas que estão instaladas nas esquinas coladas nas paredes cheias de fofocas literárias, sem compromisso com a verdade; seus olhos se entretiveram nas notícias que se destacavam nos jornais. Não foi difícil compreender as entrelinhas das múltiplas formas de expressão daqueles noticiosos. Seguramente, a verdade não era a companheira de todas as afirmações feitas pelos profissionais da imprensa. Por trás das notícias há jogos de interesses dos próprios meios de comunicação. As tragédias ganhavam destaques segundo a vontade de determinados grupos. Nas entrelinhas dos tratados havia subtextos claros para quem dispunha de algum conhecimento mundano; índices fictícios que logravam a opinião pública, os cartéis e tratados envolvendo os poderes constituídos, os homens de cartolas, elegantes membros da sociedade que controlavam aquela cidade. Os contrastes são evidentes, mas não se encontram entre eles aqueles que traçaram tão diversificado destino, nem o cobrador de tributos, pois estes são descontados na fonte. Tudo o que representa a vontade humana é questionável. Os poderes constituídos pairam, quase sempre, em mãos omissas; pessoas sorrateiras que deliberam conforme os desígnios daqueles que trazem a comunidade sofrida sob o seu julgo.Contrapondo-se a imaturidade da puberdade, na dura realidade sobrevive o silêncio de pessoas que se calam diante da impunidade.

Agora sim, há uma provável explicação para aquele entediado desabafo. Toda a feiúra exposta nas sarjetas é a síntese dos maus governantes sobre uma população humilde, cega a tantos malfeitos impostos por seus dirigentes.

Mais tarde, deixando o vilarejo, o viajante cruzaria com aquele que lhe impôs o enigma. Com temperamento alterado e sentado, ainda buscando alguma razão em seus atos, questiona:

-E então?... Encontrou o que eu disse? Eles estão em toda parte!...

O estranho acena com a cabeça que sim. A verdadeira beleza era aquela que se expunha pelos meandros da urbe que se inclina, obrigatoriamente, aos comandados de poucos homens. Para vê-los, como havia dito o indagado: - basta “abrir os olhos”!