O CAVALO E O MENINO - PARTE V
O sol era tão forte, que doía tudo: a pele, os olhos, o casco. Mesmo acostumado ao clima quente, eu me arrastava pela paisagem árida, sabendo que de mim dependiam a vida daqueles dois amigos, que seguiam ao meu lado, em silêncio e passos trôpegos. O pai decidiu que era melhor caminharmos ao final da tarde, e descansar durante o dia. Agora, só havia metade da garrafa de água, e não me deram de beber ou comer, pois mal tinham para eles mesmos. Foi-se a última laranja, dividida ao meio entre os dois. Minha boca seca ansiava por um pequeno pedaço daquela fruta, mas eles consumiram-na toda, inclusive, cascas e caroços. Aquele foi o último jantar que tiveram. Eu, que já passara o dia apenas com um pequeno gole de água, deitei-me à sombra de uma grande pedra, com vontade de morrer.
O menino achegou-se a mim, choroso, e dizendo que eu não desanimasse, pois com toda certeza, no dia seguinte Deus nos guiaria com segurança até a próxima vila. O pai falava de uma bifurcação na estrada, há dois dias, e achava que já deveríamos ter chegado àquela altura, e que com certeza, escolhera a estrada errada. Já eram oito dias de viagem. O pai dissera que a vila ficava a apenas quatro. Sim, tive que concordar com ele: tomáramos o caminho errado.
A estrada desaparecera, e seguíamos pelo deserto sem saber se era norte ou sul. Areia quente, vento quente, sol quente, carcaças de animais, algumas serpentes que se arrastavam por ali. Nem mesmo os abutres nos seguiam.
Naquele entardecer, o pai suspirou fundo mais uma vez, e foi acordar o menino. Sua voz era pastosa. O menino esfregou os olhos, dirigindo-os para as milhares de estrelas acima de nós. Levantou-se e puxou-me pelo cabresto. Mas eu não consegui me levantar. Ele insistiu. O pai foi por trás de mim, empurrando meu flanco. Gemi de dor e cansaço. O menino chorava, dizendo que se tivesse que morrer ali, morreria, mas que não me deixaria. O pai pegou o cabresto, e puxou-me com toda força que lhe restava, e eu finalmente, tirando forças de alguma parte de mim que eu desconhecia, consegui ficar de pé. E fomos seguindo pelo deserto. O menino apontou uma estrela, e andamos na direção dela, até que a noite terminou.
Não havia esperança para nós. Naquela manhã, o menino veio deitar-se em meu flanco, enquanto tentávamos proteger-nos dos raios inclementes de sol. O pai distribuiu a água, dando-me um gole, pois precisava de mim para carregá-los quando não mais aguentassem andar. Também pegou uma porção pequena da ração que ainda restava, e mastiguei-a devagar, a boca e a garganta secas dificultando o engolir. Enquanto isso, o pai cortou um pedaço de cacto, e tirando os espinhos, dividiu-o em três e nós comemos. Uma serpente passou, e os olhos do menino brilharam, e ele ganhou novas forças: perseguiu-a sorrateiramente, mais sorrateiro do que ela mesma, e erguendo o facão devagar, atirou-o sobre ela, cortando-a ao meio. O pai toirou o couro da serpente morta, e eles a comeram crua, em pedacinhos. Depois, dormimos.
Mais uma noite, e fomos caminhando devagar. Andávamos como que em um sonho, entorpecidos pela fome, sede e cansaço. Ninguém falava mais, e o menino não mais se atrevia a contar nossas aventuras ao pai. Era preciso poupar forças. Eu sentia que íamos morrer. As estrelas iam perdendo o brilho, e a paisagem, ficava cada vez mais embaçada. Meus olhos secos já quase não enxergavam mais. Se eu ainda não desistira, era pelo menino. E naquela noite, o pai caiu.
O menino bateu-lhe no rosto, desesperado, gritando "Pai, pai!" Procurou nas sacolas se ainda havia alguma coisa que pudesse oferecer-lhe que lhe levantasse as forças, mas ao sacudi-la sobre a areia, caíram apenas o facão, um último pedaço mal-cheiroso de carne seca, uma caixa de fósforos, alguns grãos de ração - que eu devorei sofregamente. Na garrafa, apenas um ou dois goles, que ele derramou nos lábios do pai. Este tentou recusar-se a beber, mas o menino abriu-lhe a boca, até que o pai engolisse.
Depois, cuspindo em um pedaço de pano, para umedecê-lo, passou-o na testa do pai. Eu sabia que precisávamos continuar, mas apesar de eu cutucar o menino com meu focinho, relinchando baixinho, tentando alertá-lo da necessidade de continuar, ele me olhou com tristeza, dizendo: "Acabou, amigo Cavalo." Pateei na areia, e dobrando as patas, ofereci-me para levar o pai. Ele me olhou de novo, boquiaberto, e disse: "Mas você não aguenta... vai morrer também, e eu ficarei sozinho!" Insisti, permanecendo na mesma posição, e o menino, com muito esforço, acomodou o pai sobre mim. Levantar-me com o peso dele foi muito difícil, mas reuni todas as forças que eu tinha, e consegui. Assim, fomos caminhando, até que o dia começou a clarear. O pai moribundo sobre meu flanco às vezes murmurava coisas ininteligíveis.
Mas a luz da manhã trouxe uma esperança. Chegamos à beira de uma estrada. O asfalto negro brilhava e se estendia à nossa frente. O menino me olhou, sorrindo, e chamou pelo pai, que ergueu a cabeça. "Olha, pai! Uma estrada! Nós vamos conseguir!" O pai murmurou: "Graças ao bom Deus!"
Nós seguimos por aquela estrada por onde ninguém passava por horas e horas, debaixo do sol, pois era nossa única chance de salvar o pai: encontrar ajuda e dar-lhe água. O menino tinha olheiras profundas, e seu rosto macilento deixava claro que ele também não aguentaria mais tempo. Minhas forças estavam acabando também, mas eu sabia que era a única esperança deles, e continuei.
De repente, após uma curva fechada, avistamos algo no meio da estrada, poucos metros adiante. O menino sombreou os olhos com as mãos para ver melhor, e gritou: "É um caminhão, pai!" Ele me puxou pelo cabresto para que eu andasse mais rápido, causando-me muitas dores. Finalmente, após minutos que pareceram, horas, chegamos ao caminhão tombado. O motorista jazia morto, e metade do corpo tinha sido devorado por abutres. Pela minha experiência com mortes, adivinhei que ele morrera há apenas um dia.
Mas o menino nem se importou com o cadáver, indo à procura de algo para comer ou beber. Após vasculhar a boleia do caminhão tombado, entrando pela janela do carona, voltou com um saco de plástico, cujo conteúdo derramou no chão: havia pão, algumas laranjas e bananas, um pedaço grande de mortadela e uma garrafa grande de água mineral. Ele imediatamente levou a água até o pai, esquecendo-se até mesmo de beber. O pai bebeu grandes goles, logo sentindo-se melhor. Somente quando o pai fez-lhe sinal para que o menino bebesse, ele obedeceu. Os dois foram abrigar-se do sol sob o caminhão tombado. O menino deu uma banana ao pai, e este a devorou. Nenhum dois dois falava, apenas comiam e bebiam. Relinchei, caminhando até eles. O menino derramou água em uma vasilha, e deu-me uma banana. Comi e bebi, e quando terminei, minha fome e minha sede ainda eram imensas.
Mas precisávamos poupar comida e água, pois não sabíamos se demoraríamos a chegar a algum lugar.
Ignorando o cheiro do corpo que se decompunha, ficamos ali até a noite chegar, dormindo profundamente.
(continua)